Postado em 02/01/2019 15:07 - Edição: Marcos Sefrin
O ano de 2018 começou otimista e termina com um pessimismo generalizado no mercado financeiro global que aumenta os riscos de recessão em 2019 ou 2020.
Este mês foi, até dia 21, o pior dezembro para o índice Dow Jones desde 1931, ou seja, desde a Grande Depressão, e o pior mês para o S&P 500 desde fevereiro de 2009, no auge da Grande Recessão.
Dois indicadores menos conhecidos também apontam para uma desaceleração. Primeiro, segundo o Financial Times, em dezembro ocorreu uma paralisia completa nos empréstimos para algumas aplicações mais arriscadas no mercado dos EUA.
Por exemplo, nenhum empréstimo foi concedido para operações de compra alavancada de empresas (leveraged buyout), quando investidores se endividam para comprar uma empresa e usar suas receitas futuras para pagar a dívida.
O segundo indicador é a redução da diferença entre as taxas de juros entre títulos públicos de prazos curtos e longos.
Normalmente, a chamada curva de rendimento (ou de juros) no tempo é positivamente inclinada, pois maior deve ser a recompensa para abandonar por mais tempo a liquidez em troca de um título financeiro.
Hoje, a diferença entre os juros dos títulos da dívida do governo dos EUA (T-bonds) de dois anos e dez anos praticamente desapareceu.
Isto ocorreu, de um lado, por causa da expectativa de elevação de juros corrente por causa do sobreaquecimento e proximidade do auge da economia.
De outro lado, a expectativa de desaceleração futura leva os investidores a fugir de papéis longos de empresas privadas em direção à segurança e liquidez dos T-bonds de dez anos, o que aumenta seu valor e, portanto, reduz sua taxa de juros implícita. Considerando que o valor de face na maturidade do título de dez anos é fixo, a taxa de juros efetiva varia inversamente ao valor do título no mercado secundário.
O que explica a expectativa de desaceleração que induz os agentes à fuga do risco em direção à segurança, que se reflete na inflação dos ativos financeiros seguros e na deflação dos arriscados?
O problema de fundo continua a ser, como em 2008, a dominância no ciclo mundial do mercado financeiro mal regulado que tem Wall Street como centro, mas a retrospectiva de 2018 ajuda a explicar.
A economia dos EUA está prestes a chegar a dez anos de expansão com juros baixos e isto se refletiu mais no preço dos ativos financeiros e imobiliários do que nos salários, dado o grande contingente de desempregados, precarizados e desalentados que voltam lentamente para empregos em tempo integral.
O aumento do custo do aluguel e dos serviços médicos e educacionais dificulta que a família mediana equilibre o orçamento, mas reforça a concentração da renda na elite financeira e profissional que compra e inflaciona ativos financeiros e imobiliários.
Trump contribuiu para a concentração de renda com o corte de impostos para os ricos em novembro de 2017.
Juntamente com o orçamento deficitário recorde, a reforma tributária ampliou o crescimento de 2018, mas aumentou o risco de elevação de salários e preços à medida que a taxa de desemprego caísse mais, o que preocupa os mercados financeiros.
Muito embora os salários mal tenham se recuperado, o risco que aumentassem foi suficiente para que o banco central dos EUA (o FED) elevasse taxas de juros quatro vezes em 2018: março, junho, setembro e há dois dias. Ao mesmo tempo, o FED deixou gradualmente de rolar títulos comprados durante a “facilitação quantitativa”, permitindo que seu preço caísse (os juros aumentassem).
Esta reversão da política monetária altamente expansionista executada depois da crise de 2008 está na raiz da virada nos mercados financeiros.
As baixíssimas taxas de juros estimularam muitos agentes a se endividar para comprar ativos mais arriscados que agora são liquidados.
A gradual elevação dos juros nos EUA já provocara a fuga de aplicações em moedas e países mais arriscados, que se acentuou este ano agravando a depreciação cambial e a elevação de juros em particular na Argentina, na Turquia e no Paquistão, com impactos no Brasil independentes das incertezas eleitorais. As commodities vão sofrer mais em breve.
Agora a fuga do risco atingiu ativos representativos das empresas mais arriscadas até nos EUA. O problema é que o aumento da incerteza quanto à capacidade de pagamento tende a (auto)realizar a previsão porque dificulta a rolagem de dívidas antigas e tende a reduzir o preço de ativos que são a “garantia” das dívidas. Os investidores são obrigados a “marcar a mercado” a redução do valor dos ativos e a reduzir sua alavancagem, o que os obriga a vender mais ativos e reforça a “correção” para baixo dos preços.
Desaceleração
Já há sinais claros de desaceleração no investimento na economia alemã e no varejo chinês.
Ademais, três problemas políticos podem reforçar a reversão cíclica em 2019, resultando do protecionismo e da xenofobia dos perdedores da globalização neoliberal manipulados por líderes autoritários contra os “outros” eleitos como bodes expiatórios.
Primeiro, a insistência de Trump em construir um muro com o México sem apoio eleitoral arrisca que 2019 inicie-se sem orçamento federal e com o fechamento (shutdown) de serviços públicos, logo quando o impacto expansivo da reforma tributária se dilui. Sua perda de popularidade e as revelações de colusão com os russos para vencer a eleição de 2016 pode até provocar um processo de impeachment de efeitos imprevisíveis.
Segundo, a saída do Reino Unido (Brexit) da União Europeia ainda é incerta, podendo provocar uma recessão séria na ilha e reforçar a desaceleração no continente.
Finalmente, a rivalidade estratégica e comercial entre Estados Unidos e China pode também encarecer cadeias produtivas em escala ainda mais global.
No fundo, o conjunto de problemas resulta do esgotamento gradual de um modelo de expansão pautado na concentração da renda e da riqueza, na extração de rendas imobiliárias, financeiras e de patentes, na baixa regulação pública da riqueza capitalista e na capacidade dos investidores de fugir dos controles existentes e se alavancar demais.
Tudo isto indica que o cenário internacional com que se defrontará o governo Bolsonaro será pior que aquele vigente no governo Temer ao menos desde o último trimestre de 2016.
Preservar a recuperação tênue da economia brasileira exigiria reforçar os itens de demanda interna como investimento público e a recuperação dos salários na base da pirâmide.
Isto, contudo, é o contrário do que Paulo Guedes pretende fazer com seus cortes de gasto público e de direitos sociais e trabalhistas.
Dado o cenário global, se Guedes fizer o que quer, o risco de uma nova recessão por aqui em 2019 ou 2020 aumenta muito.
Matéria feita por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS dia 30-12-2018
Ref.: https://www.cartacapital.com.br
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