Postado em 09/07/2019 09:23 - Edição: Marcos Sefrin
Em quase todos os debates sobre preços de produtos no Brasil, os tributos acabam por ganhar os holofotes. Isso se dá, por um lado, pelo enraizamento no senso comum de uma visão negativa do Estado e, assim sendo, do seu financiamento, e, por outro, pela especificidade da estrutura tributária nacional, que tem foco nos impostos indiretos – portanto, com grande peso na produção e no consumo.
No debate dos preços dos combustíveis não foi diferente, tendo em vista que a participação dos tributos na sua composição não é irrelevante. De acordo com a Petrobras, entre 9 e 15 de junho de 2019, os tributos representaram em torno de 45% do preço final da gasolina, enquanto no diesel essa participação foi de 24%.1
Entre os tributos que incidem mais diretamente no preço, estão a Contribuição de Intervenção sobre Domínio Econômico (Cide) e a Contribuição ao Programa de Integração Social e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (PIS/Cofins), recolhidos pela União, e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência estadual e cuja alíquota é definida por cada estado.
A Cide foi criada no contexto da quebra do monopólio da União na produção de petróleo e, sendo uma contribuição, tem destinação específica, que abrange investimento em infraestrutura de transporte, em projetos ambientais, entre outros. Atualmente, sua alíquota é de R$ 0,10 por litro de gasolina. A alíquota do diesel encontra-se zerada desde a greve dos caminhoneiros. Antes era de R$ 0,05 por litro.
PIS/Cofins são contribuições sociais vinculadas ao financiamento do seguro-desemprego, abono salarial e da seguridade social (Previdência, saúde e assistência social). Semelhante ao que ocorre com a Cide, são recolhidos como um valor fixo por litro: R$ 0,79 para gasolina e R$ 0,35 para o diesel.
Diferentemente dos primeiros, o ICMS é um imposto e não tem destinação específica. Sua alíquota é calculada como um percentual do Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF) da gasolina e do diesel, obtido por um levantamento das secretarias de Fazenda junto aos postos de combustível nos seus estados. Cada estado tem autonomia para estabelecer suas alíquotas, que variam entre 25% e 34% no caso da gasolina e 12% e 25% para o diesel.
Como o ICMS é uma proporção do preço de venda final, sua arrecadação também aumenta ou reduz de acordo com a oscilação do preço. Os combustíveis estão entre as grandes fontes de arrecadação desse imposto nos estados. Em 2018, por exemplo, 18% de toda arrecadação de ICMS no Brasil teve origem no setor de petróleo, combustíveis e lubrificantes.
Desde o ano passado muito tem se debatido sobre os constantes aumentos dos preços dos combustíveis. Alterações na tributação foram levantadas como uma possível boa solução para reduzir os preços nas bombas. Inclusive, como resposta à greve dos caminhoneiros de 2018, o governo federal adotou uma série de medidas com vistas à redução do preço final do diesel, entre elas a diminuição do PIS/Cofins, a anulação da Cide e um subsídio aos produtores e importadores de diesel.
No âmbito estadual, alguns governadores concordaram em reduzir suas alíquotas de ICMS, o que serviu como auxílio na negociação entre o governo federal e os caminhoneiros. Porém, medidas como essas, quando não coordenadas, podem ocasionar desvios. Diante de uma redução dos tributos sobre o diesel, parece ter havido certa compensação na receita advinda da gasolina. No período pós-greve, vários estados reduziram ou pelo menos congelaram os preços médios de referência do diesel – também em função dos reflexos do programa de subsídios do governo federal. Mas, no caso da gasolina, em muitos estados houve crescimento significativo no valor dessa média.
Embora no período anterior à greve dos caminhoneiros os tributos não tivessem um papel central para explicar o aumento de preços dos derivados ocorridos entre 2017 e 2018, no período posterior à greve a alteração dos parâmetros do ICMS incidentes sobre o diesel acabou auxiliando a reduzir seu preço. Tal movimento não ocorreu da mesma forma no caso do preço da gasolina.2
Importância dos tributos
O debate sobre a tributação é essencial, pois faz parte de uma lógica mais ampla de estrutura de Estado que se pretende conformar. É graças à arrecadação que se constrói o aparato estatal para provimento de serviços públicos, organização da economia e estruturação de políticas públicas que podem ter potencial de distribuição de renda e redução das desigualdades sociais.
Debater esse cenário se faz importante para o entendimento de que, ao abrir mão de uma receita, o governo precisa ter em mente as consequências dessas escolhas tanto para o setor que se privilegia quanto para os outros setores da sociedade. As isenções fiscais adotadas após a greve dos caminhoneiros, por exemplo, significaram uma perda de arrecadação de R$ 2,84 bilhões para a União entre julho e outubro de 2018, de acordo com o governo federal.
Além disso, a tributação dos combustíveis também funciona como forma de regulação desse mercado. É possível apontar isso por meio de três perspectivas: i) econômica: o aumento do preço do diesel influencia toda a economia em função de a circulação de mercadorias ser fundamentalmente baseada em transporte rodoviário; ii) social: quando se tributa a gasolina com alíquotas maiores em relação ao diesel, pretende-se privilegiar o transporte público em detrimento do transporte individual; e iii) ambiental: privilegiar o transporte público tem potencial de redução do trânsito e da poluição, principalmente nas grandes cidades.
Todavia, se por um lado os tributos sobre os combustíveis são fundamentais para o provimento de serviços públicos e para atender a aspectos sociais e ambientais, por outro sua gestão a curto prazo pode auxiliar a reduzir a volatilidade dos preços. Isto é, uma articulação estadual no caso do ICMS ou uma gestão mais flexível da Cide, por exemplo, podem ser instrumentos para atenuar as oscilações abruptas no preço internacional no barril do petróleo quando estes influenciam a trajetória dos preços internos dos derivados, como é o caso brasileiro.3
Diante dessas questões e tendo em vista ainda que, internacionalmente, o Brasil não se situa entre os países com maiores tributações sobre os combustíveis e que o contexto fiscal nacional não aponta, a curto e médio prazo, para uma recuperação estável da arrecadação fiscal, entende-se ser necessária uma estrutura mais bem articulada entre os entes da federação com vistas a auxiliar correções dos preços dos combustíveis, sem que haja perda significativa de arrecadação para o Estado.
Matéria feita por Carla Borges Ferreira é socióloga, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).
1 Segundo a estatal, a composição do preço da gasolina ao consumidor foi a seguinte: 29% de custo de produção, 15% de tributos federais, 30% de ICMS, 12% de custo de etanol anidro e 14% de margem da distribuição e revenda. Já no caso do diesel: 53% de custo de produção, 9% de tributos federais, 15% de ICMS, 6% de custo de biodiesel e 17% de margem da distribuição e revenda.
2 Ademais, é importante esclarecer que, como a composição do preço envolve outros elementos, se não houver uma articulação melhor entre eles, a redução da carga tributária sobre a venda de gasolina e diesel pode não efetivar a redução do preço final, na medida em que pode ser anulada por aumentos nos outros componentes – nas margens de lucro, por exemplo.
3 Neste mesmo exemplar, o artigo de Rodrigo Leão e Eduardo Costa Pinto (págs. 6 e 7) discute esse tema, apontando alternativas fiscais para lidar com as oscilações abruptas do preço internacional do petróleo.quisadora do Ineep.
Ref.: https://diplomatique.org.br/
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