Postado em 09/07/2019 09:29 - Edição: Marcos Sefrin
As variações dos preços dos combustíveis são fortemente dependentes das variações do preço do petróleo. No entanto, há vários mercados e etapas entre o poço e o posto que também influenciam os preços dos derivados, tais como os custos de produção, o valor de transporte, a armazenagem, a logística, a tributação, os subsídios das refinarias, o comportamento dos consumidores e o grau de cartelização territorial dos postos de combustível.
Partindo desse esquema mais geral, no caso brasileiro, são basicamente cinco os atores envolvidos na determinação dos preços dos combustíveis: i) a Petrobras, responsável por praticamente toda a produção de derivados; ii) os importadores de derivados, que atuam de forma complementar à Petrobras; iii) os governos (estaduais e federal), que impõem tributos específicos aos combustíveis vendidos no Brasil; iv) os distribuidores, que intermedeiam a relação entre refinadores/importadores e os postos; e v) os postos, que revendem os combustíveis aos consumidores.
Nos últimos dois anos, o Brasil viveu dois grandes ciclos altistas de preços dos derivados de petróleo: um entre outubro de 2017 e maio de 2018, que culminou na greve dos caminhoneiros e petroleiros, e outro nos primeiros quatro meses de 2019, quando o governo reagiu buscando repelir um novo movimento grevista. Embora todos os atores citados influenciem as oscilações dos preços, o aumento observado nos dois períodos citados teve grande influência de três atores: a Petrobras, os importadores e os postos.
Tomando como exemplo o diesel, no primeiro período seus preços aumentaram R$ 0,58 por litro (crescimento de R$ 3,28 para R$ 3,86 por litro), sendo 89% por conta da Petrobras e dos importadores e 11% em razão dos postos, de acordo com o Relatório Mensal do Mercado de Derivados de Petróleo do MME. No segundo período, quando os preços cresceram R$ 0,25 por litro (aumento de R$ 3,45 para R$ 3,70 por litro), a Petrobras e os importadores foram responsáveis por 81% desse aumento, e os postos, por 19%. Os demais atores tiveram participação na elevação dos preços nos períodos. Mas, afinal, quais foram as mudanças promovidas por esses atores que motivaram tais resultados?
A Petrobras alterou sua política dos preços dos derivados produzidos em suas refinarias. A partir de outubro de 2016, adotou o preço de paridade de importação, no qual os reajustes dos preços dos combustíveis seguiriam o valor do barril internacional do petróleo, ponderado pela taxa de câmbio e pelos custos de transporte. Associadas a essas mudanças, duas outras medidas foram adotadas pela Petrobras: i) aceleração do período de reajuste dos preços, chegando a ser diário; e ii) redução do fator de utilização de suas refinarias, abrindo espaço para importadores.
Os importadores determinam seus preços de venda para as distribuidoras no Brasil obrigatoriamente por meio das mudanças das cotações internacionais, uma vez que o custo para adquirir o derivado no exterior está atrelado a seu valor no mercado internacional. Nos últimos dois anos, a questão é que, com a redução do uso do refino da Petrobras, os importadores passaram a ter uma participação maior no abastecimento do mercado de derivados brasileiro.
Em resumo, os reajustes no valor dos derivados produzidos pela Petrobras seguiram os preços internacionais, e os importadores ganharam market shareno mercado brasileiro. Como nos dois períodos mencionados, a cotação do barril internacional do petróleo cresceu; obviamente, os preços dos derivados se elevaram de modo proporcional. E ainda, como efeito colateral, o Brasil passou a conviver com uma crescente volatilidade dos preços do diesel e da gasolina, dificultando qualquer planejamento de custos para empresas e pessoas físicas que necessitam desses combustíveis para realizar suas atividades.1
Os postos, a fim de maximizar seus ganhos, agiram da seguinte forma: quando o preço do barril internacional de petróleo se elevou, os preços dos combustíveis na revenda aumentaram proporcionalmente, mas, quando o preço do barril sofreu redução, os impactos sobre o valor dos combustíveis nos postos não apresentaram uma diminuição na mesma proporção e velocidade.
Dois aspectos ajudam a entender esse comportamento dos postos. Primeiro: a gestão dos estoques na ponta de consumo e os custos de transportes das bases de distribuição até os postos são itens relevantes para a determinação dos custos para os proprietários de postos e dão flexibilidade no estabelecimento do preço, possibilitando postergar ou não realizar repasses de preços dos consumidores finais. Segundo: a combinação entre diferenciação por marca, proximidade de competidores, características locais dos postos e demografia espacial transforma a concorrência em pequenos nichos – chamados cartéis –, que, na prática, permitem aos postos atuar num mercado oligopólico, aumentando sua capacidade de determinar preços.
Alguns analistas concluíram que grande parte da distribuição dos preços nos postos pode ser explicada pelas diferenças de suas características espaciais, além dos choques provenientes dos preços no atacado. Esses estudos partem da hipótese de que diesel e gasolina são produtos relativamente homogêneos, com sua diferenciação surgindo da localização espacial dos postos, da fidelidade às marcas, de características especiais e de condições de oferta específica de cada posto.
Uma nova série de estudos trabalha com postos de gasolina dentro de supermercados, onde a venda dos combustíveis aparece como um subproduto, tendo em geral menores preços do que os postos de gasolina comuns, e suas variações respondem a outros estímulos.
Além desses aspectos, um fator que reforça a ação estratégica dos postos está relacionado ao comportamento dos consumidores, que tendem a procurar postos com preços mais baixos quando estes estão subindo e a procurar menos quando os preços estão caindo, diminuindo a pressão para a baixa nas quedas.
Evidentemente, uma análise mais ampla das mudanças dos preços deve levar em conta os demais atores, como distribuidores e governos.2 Todavia, no caso brasileiro, pelo menos nos últimos dois, um elemento-chave para as oscilações dos preços, principalmente nos momentos de alta, é a mudança da política de preços da Petrobras, que fortalece importadores e beneficia os ganhos de margem dos postos, cujas características de mercado dão a seus proprietários uma grande força para impor preços aos consumidores.
Curioso notar que justamente a tentativa “forçada” da Petrobras de estabelecer um mercado concorrencial prejudicou os consumidores duplamente: primeiro, gerando grande volatilidade dos preços e, segundo, fortalecendo a capacidade dos postos de extrair rendas do consumidor ao resistir às quedas de preços até que o ciclo destes suba novamente.
William Nozaki é doutorando em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
1 Num estudo realizado pelo Ineep, comparando a evolução do preço da gasolina comum do Brasil com seis países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre 2017 e 2018, o combustível brasileiro esteve entre os dois países com maior oscilação de preços em sete dos oito trimestres analisados.
2 A pesquisadora do Ineep Carla Ferreira faz, neste encarte (pág. 5), uma análise do papel da tributação sobre os preços dos derivados.
Ref.: https://diplomatique.org.br/
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