Postado em 09/07/2019 09:45 - Edição: Marcos Sefrin
Alternativas à paridade do preço internacional
Nos últimos dois anos, a política de preços se tornou um tema recorrente não apenas no debate entre os especialistas do setor de petróleo, como também no cotidiano da população. Fruto de uma política de atrelamento do preço dos derivados no Brasil ao valor do barril internacional do petróleo e das variações no câmbio (preço de paridade de importação), o brasileiro passou a conviver com uma maior volatilidade e, em alguns momentos, com uma rápida subida dos preços da gasolina e do diesel.
Essa política foi colocada em prática pela Petrobras e, evidentemente, afetou os demais atores envolvidos na determinação do preço da gasolina e do diesel. Em outras palavras, a volatidade e o aumento repentino do preço do produto vendido pela Petrobras eram repassados integralmente por distribuidores e revendedores dos combustíveis.
Ao introduzirem essa nova política, tanto a Petrobras como o governo sinalizaram que não haveria outra forma de gerenciar os preços dos derivados de petróleo. Isto é, a única forma “economicamente viável” de administrar os preços no Brasil seria por meio da paridade com a cotação internacional do barril de petróleo, realizando reajustes periodicamente.
Todavia, observando-se a experiência internacional, seria possível questionar fortemente essa premissa. Primeiro, porque o fato de a Petrobras ser uma empresa de petróleo integrada permite a ela atenuar eventuais reduções de margem de lucro de uma área da empresa com ganhos em outra área. Segundo, porque, além dos produtores, distribuidores e revendedores, o Estado tem um papel central na estrutura de preços de derivados de petróleo, seja pela cobrança de impostos, seja pela regulação do setor. Ou seja, a Petrobras e o Estado, diga-se os governos estaduais e federal, poderiam utilizar instrumentos a fim de impedir aumentos frequentes e alta volatidade dos preços de combustíveis.
Evidentemente, seria inadequado qualquer intervenção direta sobre as margens de lucratividade de distribuidores e revendedores, uma vez que são setores mais concorrenciais e os instrumentos de intervenção poderiam gerar distorções de mercado importantes. Em todo caso, principalmente no setor de revenda, seria recomendável adotar medidas que estimulassem a concorrência de facto e diminuíssem a formação de cartéis, como se observa na experiência austríaca.1
No caso de produtores e governos, por sua vez, existem mecanismos para atenuar oscilações a curto prazo, mesmo com o barril internacional do petróleo sendo um referencial para os reajustes dos preços internos de derivados.
Um desses mecanismos seria a mudança na forma de determinação das alíquotas de impostos que incidem sobre gasolina e diesel. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), por exemplo, poderia variar de acordo com a mudança na cotação do barril internacional do petróleo, como já explicamos em outro estudo: uma alternativa seria permitir “que a Cide possa variar de acordo com os preços internacionais do petróleo. […] o tributo não teria o objetivo de reforçar a arrecadação. A ideia seria manter a carga tributária neutra. Assim, o aumento do tributo poderia ser compensado pela redução do PIS/Cofins e da atual Cide”.2
Nesse sentido, os mesmos autores, baseando-se num estudo de 2018 do Ministério da Fazenda, sugerem a possibilidade da aplicação de um Mecanismo Automático de Amortecimento de Preços (Maap) no qual a Cide oscilaria positivamente quando o preço do barril internacional do petróleo estiver mais baixo e negativamente quando este estiver alto. De tal modo, quando o preço do barril aumentar, o imposto será reduzido como uma forma de atenuar o impacto daquele aumento, e o oposto também é verdadeiro.
No caso do preço da gasolina, por exemplo, cuja alíquota da Cide é de R$ 0,10 para cada litro, o imposto poderia ser zerado se o preço do petróleo alcançasse determinado patamar, assim como poderia subir para além dos R$ 0,10 caso o barril internacional fosse reduzido a certa faixa.
Além da tributação, existem alternativas para manejar os preços dos derivados no Brasil. A seguir, apresentam-se duas dessas formas: (i) o estabelecimento de bandas de preços; e (ii) a variação do preço do refino associada ao custo de oportunidade da Petrobras (preço de exportação do petróleo cru).
Sobre a primeira, um recente trabalho do FMI coordenado por David Coady mostra a existência de mecanismos de curto prazo para evitar abruptas variações nos preços dos combustíveis, como a banda de preços.
O estudo explica que “este mecanismo estabelece um limite máximo para as variações dos preços de varejo. Os limites máximos podem ser fixados em proporção do preço atual ou em montantes absolutos, mas os limites absolutos podem tornar-se menos eficazes à medida que os preços internacionais aumentam. […] No âmbito dos tetos tarifários, no início de cada período (por exemplo, em cada mês), o preço de varejo de acordo com o mecanismo de repercussão integral é determinado com base no custo médio das importações do período anterior (mês, neste exemplo). Se o aumento do preço de varejo exigido for superior ao aumento máximo permitido (ou seja, o limite máximo), então o aumento máximo permitido é implementado. Se o aumento de preço estiver abaixo desse limite, então o ajuste total é permitido. Por exemplo, numa faixa de preços de 3%, se o preço internacional aumentar 10%, o preço de varejo doméstico aumentaria apenas 3%. No período subsequente, se não houver mais alterações no preço internacional, o preço de venda ao público interno aumentaria apenas 3%, permitindo, assim, que o preço de varejo interno recupere gradualmente até níveis de preços internacionais”.3
Os autores fizeram uma simulação de “bandas de preço” para a gasolina vendida no Brasil no ano de 2018, utilizando os seguintes parâmetros: (i) limite de reajuste semanal de 1% para cima ou para baixo; e (ii) recomposição de até 50% dos valores não reajustados em até seis semanas. Nessa simulação, os preços da gasolina na revenda chegariam R$ 0,17 mais baratos no final de 2018 do que foi efetivamente observado.
Evidente que esse tipo de medida exigiria recursos fiscais para suprir o subsídio temporário gerado pela banda de preços. Todavia, é importante lembrar que tal subsídio somente ocorreria no período de alta dos preços do barril internacional do petróleo, quando crescem também as compensações financeiras da produção de petróleo (royalties e participações especiais). Com efeito, o aumento dessas compensações poderia ser utilizado para cobrir as novas exigências fiscais.
Além do estabelecimento de bandas de preços, é possível construir, no âmbito do produtor, neste caso da Petrobras, uma política de preços que equipare as margens do refino com as das exportações de petróleo cru (custo de oportunidade para refinar). Para isso, o Ineep calculou a possível redução nos preços internos de derivados até o patamar que as margens do refino se igualassem as da área de exportação e produção (E&P).
Após a extração, a Petrobras tem duas opções quanto ao que fazer com o petróleo cru: pode refiná-lo, transformando-o em derivados (diesel, gasolina, gás liquefeito de petróleo – GLP etc.), ou exportá-lo para o mercado externo. Essa proporção depende da capacidade produtiva e tecnológica das refinarias, dos preços dos derivados e do petróleo exportado e dos custos de produção e refino.
Para cada uma dessas opções, a Petrobras possui custos e preços diferenciados, a fim de garantir determinada margem tanto para o petróleo refinado como para aquele cujo destino é a exportação, como mostra o gráfico nesta página.
A Petrobras é uma empresa integrada e, com isso, os gastos de E&P – quando o petróleo é destinado para a produção de derivados – são repassados para o refino, compondo assim parte do seu custo de carga processada.
Na média de 2018, o custo de repasse de E&P – que também é o de exportação do petróleo cru – foi da ordem de R$ 0,82 por litro (R$ 0,56 do custo de extração com participação governamental mais R$ 0,26 de outras despesas de E&P). Acrescentando-se a esse valor, o valor das importações de petróleo cru e de outras despesas do refino,4 calculou-se o custo de refinar o petróleo produzido pela Petrobras que foi da ordem de R$ 1,10 por litro no mesmo período.
Com a atual política de preços de paridade de importação, os preços médios de vendas dos derivados básicos (diesel, gasolina, GLP, querosene de aviação – QAV, óleo combustível, nafta e outros) nas refinarias foi de R$ 1,87 por litro em média em 2018. Com isso, a margem do refino naquele período alcançou R$ 0,51 por litro. Quando esse petróleo foi exportado em vez de refinado, seu preço de venda atingiu R$ 1,40 por litro com uma margem de R$ 0,40 por litro
Nesse sentido, há um custo de oportunidade entre exportar e refinar, dadas as características técnicas e econômicas do parque de refino da Petrobras. Ou seja, o custo de oportunidade dessa situação é dado pelo preço de exportação de petróleo (R$ 1,40 por litro) e pela margem dessa atividade (R$ 0,40 por litro), levando em conta o custo de capital de 8% ao ano sobre o imobilizado em operação da área de E&P. Partindo desses dados, seria possível concluir que, igualando as margens do E&P às do refino em R$ 0,40 por litro, a Petrobras poderia reduzir em até R$ 0,11 o preço de venda dos derivados refinados e não perder rentabilidade do refino em relação ao E&P.
Além disso, outra forma de manejar os preços da Petrobras seria articulando, ao mesmo tempo, o aumento da utilização da capacidade de refino, a redução dos preços internos de derivados e a ampliação dos investimentos da Petrobras. Como isso é possível?
Com base nos dados apresentados anteriormente, são simuladas duas situações para o preço de venda de derivados básicos para o mercado interno:
Simulação 1 – 20% acima do preço de exportação de petróleo e ampliação do processamento de petróleo em 253 mil barris/dia, o que implicaria a elevação do nível de utilização para 88% da capacidade produtiva;
Simulação 2 – 15% acima do preço de exportação de petróleo com a mesma ampliação da utilização das refinarias.
Os dois parâmetros utilizados para realizar essas simulações são: manter uma proporção de 10% das importações de diesel em relação ao consumo aparente (produção + importação – exportações) desse derivado; e a seguinte proporção média de 2018 da produção de derivados para cada litro de petróleo das refinarias da Petrobras (0,44 de diesel, 0,24 de gasolina, 0,11 de óleo combustível, 0,04 nafta, 0,08 GLP, 0,07 QAV e 0,11 outros).
Para a simulação 1, obtivemos os seguintes resultados: é possível reduzir em 10% os preços dos derivados básicos (de forma linear) das refinarias (mais barato em R$ 0,19 por litro) e obter uma margem de 19% dos lucros operacionais, levando em conta o custo de capital de 8% ao ano. Essa margem permite pagar as despesas financeiras programadas para 2019 e ampliar os atuais níveis de investimento.
No caso da simulação 2, a Petrobras poderia reduzir em 14% os preços dos derivados básicos (mais barato em R$ 0,26 por litro) com uma margem de 16% dos lucros operacionais, levando em conta o mesmo custo de capital. Também como observado na primeira situação, essa margem possibilita pagar as atuais despesas financeiras programadas para 2019 e ampliar os atuais níveis de investimento, claro que num montante menor do que na primeira situação.
Essa coleção de números nos diz que é possível estabelecer novas estratégias de políticas que passem pela ampliação do market share no consumo aparente do mercado derivados, mediante a ampliação da capacidade produtiva do refino, levando em conta os custos de produção e as variações do preço internacional do petróleo, sem sacrificar a população brasileira nem os investimentos da Petrobras.
Há, sim, alternativas economicamente viáveis para gerenciar os preços dos derivados no Brasil, além da política de preço de paridade de importação, por meio da tributação, de uma maior regulação no preço de varejo ou, ainda, da ação da própria Petrobras.
Matéria feita por Rodrigo Leão é mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e do NEC da Universidade Federal da Bahia; e Eduardo Costa Pinto é professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Ineep.
1 Sobre a discussão dos cartéis e da concorrência, ver neste exemplar o texto de William Nozaki (pág. 4) e, sobre a experiência de regulação do setor de revenda, ver o trabalho de Rafael da Costa e Isadora Coutinho (pág. 8).
2 Rodrigo Leão e Rafael Rodrigues da Costa, “A necessária e inadiável estratégia para os preços de combustíveis no Brasil”, Fórum, 29 dez. 2018.
3 David Coady et al., “Automatic fuel pricing mechanisms with price smoothing: design, implementation, and fiscal implications” [Mecanismos de precificação de combustíveis automáticos e suavização de preços: desenho, implementação e implicações fiscais], IMF Technical Notes and Manuals, Washington: IMF, dez. 2012.
4 Esse custo é composto pelas despesas com: 1) a carga processada, formada pela soma dos custos de produção ponderada pela proporção da carga de origem nacional e das despesas decorrentes da carga importada; 2) o custo operacional do refino; 3) os custos de depreciação, depleção e amortização das refinarias, e das despesas totais (sem considerar as receitas e despesas não recorrentes).
Ref.: https://diplomatique.org.br/
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