Postado em 19/12/2019 10:50 - Edição: Marcos Sefrin
O hábito de lavar o corpo inteiro duas ou três vezes por semana e de se limpar por partes todos os dias ganha adeptos. Analisamos os motivos que levam à prática
Embora 71,4% dos espanhóis tomem banho todos os dias, colocando a Espanha como o país ocidental em que mais pessoas fazem isso ― e os brasileiros sejam aqueles que mais tomam banho mais de uma vez por dia (49,8%) ―, segundo um relatório preparado pelos pesquisadores de mercado estratégico da Euromonitor International, já existe um grupo de pessoas ao redor do mundo que abandonaram a rotina do banho diário. James Hamblin, editor da The Atlantic, experimentou na própria carne o que significa reduzir consideravelmente as duchas e contou isso em um artigo intitulado Parei de tomar banho e a vida continuou. “Talvez não faça sentido destruir nosso ecossistema para nos esfregar com sabão todos os dias”, concluiu o jornalista, que diz que no início era “um animal fedorento e suado”, mas depois seu corpo se regulou e parou de precisar de banhos diários. Pesquisadores de Harvard também perguntaram se o hábito tão arraigado de tomar banho todos os dias é algo que devemos parar de fazer. Em um artigo intitulado É necessário tomar banho todos os dias?, o professor Robert H. Shmerling reflete sobre o hábito do chuveiro, assinalando que responde mais às normas sociais do Ocidente do que a razões de saúde, já que, segundo suas conclusões, o sistema imunológico sofre com nosso excesso de limpeza.
isto dessa forma, parece que a imundície ou a aversão à limpeza é uma tendência, e que as pessoas estão voltando aos hábitos do pós-guerra, quando banho era sinônimo de luxo (por não haver água ou banheiro disponível) e ocorria a cada sete dias, como aos domingos.
O motivo dessa nova restrição está relacionado, no entanto, à ecologia (a água é um bem cada vez mais escasso) e ao retorno ao natural. E também à ideia de que quanto menos química penetrar em nosso organismo, melhor.
“Geralmente se fala de manto lipídico para se referir a essa barreira que reveste nossa pele para protegê-la de maneira natural. No entanto, é mais preciso falar de uma epiderme formada por células chamadas queratinócitos, que poderiam ser consideradas os tijolos, e de manto lipídico, que seria o cimento que une esses tijolos, e ambos formariam a camada mais externa da pele”, assinala a dermatologista Yolanda Gilaberte, vice-presidenta da Academia Espanhola de Dermatologia e Venereologia.
Segundo Gilaberte, “essa barreira de lipídios [moléculas orgânicas] tem um pH levemente ácido, em torno de 5,5. Alterar esse nível significa modificar o estado natural para que a epiderme cumpra sua função: impedir a passagem de germes, bactérias, vírus e ácaros”. Se a sujeira é algo negativo e propicia a transmissão de infecções, o excesso de higiene, tão típico do estado de bem-estar, já tem sua lista de doenças estreitamente relacionadas com essa obsessão por limpeza. Entre elas, a dermatite atópica — que, segundo Yolanda Gilaberte, “antes afetava principalmente as crianças, e agora está crescendo entre os adultos” —, mas falamos também de infecções como a pitiríase ou alergias.
O motivo dessa nova restrição está relacionado, no entanto, à ecologia (a água é um bem cada vez mais escasso) e ao retorno ao natural. E também à ideia de que quanto menos química penetrar em nosso organismo, melhor.
A Academia Americana de Dermatologia (AAD) já aconselha os pais sobre a frequência com que devem dar banho em seus filhos, com base no nível de sujeira que apresentem. Se não estiverem muito sujos, a recomendação é banhá-los menos, principalmente aqueles que têm entre 6 e 11 anos de idade. A ideia é que seus pequenos sistemas imunológicos em desenvolvimento precisam de um pouco de sujeira (bactérias e vírus em pequenas doses) para crescer fortes. “É uma das muitas teorias que existem, e que sustenta que é melhor que nosso sistema imunológico esteja ocupado e em treinamento contínuo”, aponta Gilaberte.
Mais do que a água, devemos temer o sabonete
Cada vez mais profissionais concordam que lavar-se dois dias por semana é suficiente para acabar com bactérias e evitar doenças, desde que todos os dias nos limpemos por partes para evitar o mau cheiro; mas o chuveiro não tem apenas a função de limpar. A maioria não admite começar o dia sem o banho matutino, que exerce também o papel de despertador, tonificante, refrescante ou relaxante (se for de noite).
“É verdade que a água resseca a pele, principalmente se estiver muito quente, e além disso a água que sai do chuveiro não é a de um manancial, é tratada. Contém cloro, além de cal e outras substâncias, dependendo de onde você vive”, diz Gilaberte. “Mas o mais nocivo para a pele são os sabonetes e géis com detergentes [os que fazem muita espuma]. Por isso já há pessoas que só ensaboam determinadas partes [axilas, pés, genitais] e fazem isso com os produtos mais naturais possíveis. Principalmente que não contenham triclosan [um potente antibacteriano e fungicida, que mata bactérias ruins e boas, e quando chega aos rios ou mares continua com seu trabalho destrutivo] e lauril éter sulfato de sódio [um detergente e surfactante encontrado em muitos produtos de higiene pessoal, já que é muito barato e faz muita espuma]. Quando o banho não tem a função de limpeza, e sim de relaxamento ou de nos refrescar no verão, podemos dispensar totalmente os sabonetes e usar só água”, ressalta.
A empresa Kiehl’s, que começou há 168 anos como um laboratório farmacêutico, voltou-se para os cosméticos que respeitam a pele e o meio ambiente. O Made for All Gentle Body Cleanser é, provavelmente, um dos pouquíssimos géis de banho que cuidam tanto da pele como do planeta e são recomendados para crianças a partir de três anos (ele tem 95% de ingredientes de origem natural, entre eles aloe vera de origem sustentável e extrato de saboeiro, a chamada “árvore do sabão”, um espumante natural, além de biodegradável).
Segundo Luís Martín Moreno, mentor e especialista em fórmulas da Kiehl’s, “as peles infantis são as que mais sofrem com o excesso de limpeza ou de utilização de produtos muito fortes [como os lenços umedecidos], projetados para limpar rapidamente e sem necessidade de água. Isso afeta a flora bacteriana da pele e o sistema imunológico, que até os 11 anos ainda está em formação”.
Mas o dano à pele não para quando o banho termina. Segundo David Leffell, dermatologista reconhecido internacionalmente, chefe de cirurgia dermatológica da Faculdade de Medicina de Yale (EUA) e autor de Total skin: The definitive guide to whole skin care for life (“pele total: o guia definitivo para o cuidado total da pele por toda a vida”), quando uma pessoa acaba de tomar banho e se seca com uma toalha, a umidade adicional que fica na superfície da pele é perdida na evaporação. Em outras palavras, as camadas superiores de umidade são retiradas da pele ao sair do chuveiro, por isso é necessário se hidratar, já que passar uma loção com a pele ainda úmida pode bloquear essa fuga de umidade. Embora, uma vez mais, seja necessário tomar cuidado com a composição do creme.
Leffell recomenda uma temperatura de água morna, não quente — e aqui, mais do que nunca, vale o ditado de que o bom, quando é breve, é duas vezes bom. Os banhos deveriam se limitar a três minutos de chuveiro, nunca mais do que cinco, pelo bem da nossa pele e do mundo.
Matéria feita por RITA ABUNDANCIA - 18 DEC 2019 - 15:23 BRT
Ref.: https://brasil.elpais.com/
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