Postado em 09/05/2019 11:36 - Edição: Marcos Sefrin
“Absoluto desastre”
Especialistas afirmam que decisão fere de morte o Estatuto do Desarmamento. Oposição irá recorrer ao STF
O presidente Bolsonaro durante evento de assinatura do decreto.
Com uma canetada o presidente Jair Bolsonaro realizou o maior desmonte já feito no Estatuto do Desarmamento desde sua sanção, em 2003, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com um decreto assinado na tarde de terça-feira e publicado no Diário Oficial nesta quarta, o capitão reformado do Exército ampliou de forma sem precedentes as categorias que têm direito ao porte de armas (direito de andar armado) no país. Antes restrito a policiais, agentes de segurança e promotores, agora políticos de todas as esferas de poder que tenham mandato eletivo, jornalistas, agentes de trânsito, motoristas de veículos de carga, proprietários rurais e até conselheiros tutelares terão o direito de andar armados. No total, as alterações feitas por Bolsonaro permitem que 19 milhões de brasileiros possam ter porte ou posse de arma em função da categoria profissional, segundo dados do Instituto Sou da Paz.
Em 2014, o então deputado federal Bolsonaro apresentou um projeto de lei com teor semelhante ao do decreto, mas que não prosperou na Câmara. Agora, no Executivo, fez valer sua vontade e dá uma resposta aos seus eleitores mais radicais sem abrir para debate nem fazer tramitar uma proposta no Legislativo.
Especialistas e partidos de oposição afirmaram que a medida é inconstitucional, e que irão ao Supremo Tribunal Federal para revogar o decreto. O PSOL afirmou que o decreto “usurpou as competências do Congresso Nacional, que é o único que pode ampliar as pessoas que podem portar e possuir armas”, e que o texto “vem na contramão do combate à violência e segurança pública”. Parlamentares petistas e da Rede também protocolaram projetos de decreto legislativo para anular o de Bolsonaro. No início do ano o presidente já havia facilitado o acesso à posse de arma em casa para qualquer um que cumpra requisitos mínimos de idade, sem antecedentes criminais e que realize curso de manejo e avaliação psicológica, o que foi considerado temerário por especialistas. À época, grupos pró armas consideraram a medida "tímida".
O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, fez coro ao que Bolsonaro havia dito ao assinar a flexibilização, e afirmou que o decreto "não tem a ver com segurança pública (...) mas foi uma decisão tomada pelo presidente em atendimento ao resultado da eleição". As últimas pesquisas de opinião do Ibope e Datafolha apontam que a maioria da população é contra a flexibilização do acesso às armas (64%, segundo levantamento feito em abril). Moro não quis se pronunciar quando indagado se concordava ou não com a medida.
Mas os especialistas foram rápidos em condenar o decreto. “É um absoluto desastre. Bolsonaro resumiu bem quando falou que o decreto ‘não é da Segurança Pública’, pelo contrário, é do derramamento de sangue. Todas as evidências científicas de qualidade mostram que menos armas e menos morte”, afirma Melina Risso, diretora de programas do Instituto Igarapé. Ela destaca ainda que o presidente ampliou também a definição de calibres permitidos para englobar armamento de munição 9mm, .40 e .45, até então de uso restrito das polícias. “São calibres extremamente letais. Essas armas e munições potencialmente podem ser desviadas ou roubadas e irem parar nas mãos do crime organizado”, diz. O Instituto Sou da Paz divulgou nota na qual afirma ser inaceitável que "um governo democraticamente eleito viole a separação de poderes, ignore evidências científicas e governe apenas em prol dos desejos individuais de uma pequena minoria da população de mais alto poder aquisitivo".
Caça e prática de tiro para menores
Com o decreto desta quarta-feira Bolsonaro pode ter ferido de morte o Estatuto do Desarmamento, cujo maior mérito havia sido justamente o de limitar o número de armas em circulação – o que se traduziu em milhares de vidas salvasde acordo com estudos. Além de ampliar o porte para diversas categorias, o presidente flexibilizou as regras de posse, porte e venda de armas e munições para atiradores esportivos, caçadores esportivos e colecionadores (conhecidos como CACs). Na prática estas categorias também ganharam o porte, uma vez que poderão se locomover até seus locais de treino com as armas carregadas (antes era preciso guardar a munição separada da arma). Os CACs poderão adquirir até 5.000 munições para cada arma por ano. Os proprietários rurais, que após o decreto de Bolsonaro do início do ano tinham conseguido o direito à posse (possibilidade de ter arma em casa), poderão andar armados por toda a extensão da propriedade. Especialistas afirmam que essa medida pode acirrar ainda mais os conflitos no campo.
Além disso, o capitão sacramentou o fim do enfraquecido monopólio das Forjas Taurus ao liberar importações de armamentos, algo até então vedado. Apesar do revés potencial a longo prazo, a medida rendeu lucro imediato para a empresa, com alta de mais de 20% nas ações da companhia na Bolsa. Os produtos da empresa já vinham sendo alvo de críticas por parte de policiais de todo o país por apresentarem defeitos que colocam em risco a tropa e a população – algumas, por exemplo, disparam sozinhas, sem acionamento do gatilho. Ao menos três policiais e um número desconhecido de civis morreram nestes acidentes.
Por fim, o decreto faz um aceno aos jovens entusiastas de armas: menores de 18 anos poderão praticar tiro esportivo, desde que com a autorização dos pais.
Matéria feita por GIL ALESSI em São Paulo dia 8 MAI 2019 - 21:09 BRT - Foto tirada por EVARISTO SA AFP
Ref.: https://brasil.elpais.com/
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