Postado em 16/06/2020 14:32 - Edição: Marcos Sefrin
Num país estagnado há décadas, eles tornaram-se responsáveis por 70% da renda, em um em cada trẽs domicílios. Para socióloga, dados revelam importância da Seguridade Social e a insanidade do desprezo aos mais velhos
Ana Amélia Camarano, em entrevista ao IHU Online
Se antes da promulgação da Constituição de 88 os idosos dependiam financeiramente das suas famílias, nos últimos 30 anos esta realidade se inverteu completamente, de tal modo que hoje os idosos se tornaram os provedores de uma parte significativa dos lares brasileiros. Atualmente, segundo pesquisa que está sendo realizada pela doutora em estudos populacionais Ana Amélia Camarano, eles contribuem com 70% da renda em 34% dos domicílios brasileiros e, em 21% deles, a renda dos idosos é responsável por “90% da renda familiar”. “Isso tem ocorrido desde a promulgação da Constituição de 1988, mais precisamente a partir de 1991, com a regulamentação dos preceitos constitucionais. Antes, os idosos é que dependiam mais das suas famílias, mas a Constituição expandiu a cobertura da seguridade social. Então, os idosos que eram dependentes das famílias passaram a ser provedores das famílias”, explica na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp à IHU On-Line.
A mudança constitucional representou um ganho significativo para os idosos, mas, de outro lado, a alta dependência das famílias da renda deles indica que “a situação, do ponto de vista econômico, da população adulta está difícil e, dentro dos domicílios onde vivem os idosos, existe uma parcela significativa de adultos que não trabalha”, afirma a pesquisadora. Hoje, 16,6 milhões de brasileiros adultos formam esse contingente e dependem da renda dos idosos da família para sobreviver. Entre eles, “75% têm menos de quatro anos de estudo” e a baixa escolaridade é um dos fenômenos que dificultam o acesso ao mercado de trabalho.
Doutora em estudos populacionais, Ana Amélia estuda o envelhecimento populacional e arranjos familiares no Brasil há mais de duas décadas e assinala que nos últimos dez anos “houve uma perda relativa de renda entre os idosos, mas eles ainda perderam menos renda do que os não idosos”. De acordo com ela, “os idosos que recebem um salário mínimo estão relativamente bem em relação aos não idosos”. Com o crescimento do desemprego e da morte de muitos idosos por causa da pandemia de covid-19, as projeções não são nada animadoras para alterar a alta dependência financeira das famílias. “Provavelmente a pobreza e a desigualdade vão aumentar. Essa é uma coisa que já está dada”, conclui.
Ana Amélia Camarano é graduada em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, mestra em Demografia pela UFMG e doutora em Estudos Populacionais pela London School of Economics. É pesquisadora da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais – Disoc, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, e professora, em tempo parcial, da Fundação Getulio Vargas – FGV.
Confira a entrevista
Recentemente, a senhora declarou que a cada idoso que morre, mais uma família entra na pobreza. O que a dependência das famílias da renda dos idosos revela sobre a situação do Brasil, de modo mais abrangente?
Revela que a situação, do ponto de vista econômico, da população adulta está difícil e, dentro dos domicílios onde vivem os idosos, existe uma parcela significativa de adultos que não trabalha. O que se observa é a dificuldade dessa população de se inserir no mercado de trabalho e isso já vem acontecendo há algum tempo; não é de agora. Inclusive, têm crescido os “nem-nem-nem” maduros, que são homens entre 50 e 64 anos que não trabalham nem são aposentados. Observo esse cenário há algum tempo.
É possível identificar quais são as causas desse fenômeno dos “nem-nem-nem adultos”?
É a dificuldade de se inserir no mercado de trabalho, pois dentre eles predominam os de escolaridade muito baixa; 75% têm menos de quatro anos de estudo. Soma-se a isto a dificuldade destes indivíduos de conseguirem um histórico de contribuição que lhes permita se aposentar.
Alguns dizem que a pobreza no Brasil é jovem e não é idosa, porque os idosos, de algum modo, recebem aposentadoria ou algum benefício e muitos adultos não recebem benefícios quando vivem nesta situação. Como a senhora vê esse quadro?
É uma situação complicada, porque parte dos adultos que estão em situação de dificuldade recebem o auxílio do Bolsa Família, mas parte desses que moram com idosos não recebem, porque a renda dos domicílios acaba sendo relativamente alta. Assim, eles não se enquadram nos requisitos do
Em que percentual dos domicílios em que existem idosos, as famílias são dependentes majoritariamente da renda deles?
Em 1/3 dos domicílios brasileiros existe pelo menos um idoso residindo, ou seja, há um idoso em quase 34% dos domicílios brasileiros. Nesses domicílios moram 63 milhões de pessoas, das quais quase a metade, 30 milhões, não é idosa, ou seja, são adultos e crianças. Desses adultos, 16,6 milhões não trabalham, isto é, não têm renda, dependendo, portanto, da renda dos idosos. Então, como os idosos são o maior grupo de risco, no caso de morrerem, a renda vai embora e isso dificultará a situação das famílias.
A renda dos idosos contribui com 70% da renda de 34% dos domicílios brasileiros e, em 21% dos domicílios, a renda dos idosos é responsável por 90% da renda familiar, portanto, a dependência é muito alta.
No total, cinco milhões de pessoas dependem da renda dos idosos: 4,1 milhões de adultos e 900 mil crianças.
Qual é o perfil dessas famílias?
Estou fazendo este estudo agora e ainda não tenho esses dados.
IHU On-Line – A situação de dependência das famílias da renda dos idosos é algo histórico no Brasil ou é algo mais recente?
Isso tem ocorrido desde a promulgação da Constituição de 1988, mais precisamente a partir de 1991, com a regulamentação dos preceitos constitucionais. Antes, os idosos é que dependiam mais das suas famílias, mas a Constituição expandiu a cobertura da seguridade social. Então, os idosos que eram dependentes das famílias passaram a ser provedores das famílias. A aposentadoria rural, por exemplo, que era de meio salário mínimo para apenas o chefe do domicílio, se expandiu para um salário mínimo e para todos os membros do domicílio que tivessem as condições de recebê-la: mulheres com 55 anos e homens com 60 anos de idade. Então, um domicílio que tinha uma renda de meio salário mínimo passou a ter uma renda aumentada até para dois salários.
Depois, veio a crise dos jovens, a dificuldade de eles se inserirem no mercado de trabalho, o fenômeno dos “nem-nem-nem” entre os jovens, os quais se tornaram adultos e continuaram enfrentando dificuldades.
Qual é a centralidade dos idosos na vida das famílias, para além das questões financeiras?
A centralidade é enorme. É muito comum os idosos cuidarem dos netos para os filhos trabalharem. Precisamos considerar também que, nas últimas décadas, houve uma melhoria da qualidade de vida dos idosos, e isso permitiu que eles pudessem trabalhar por mais tempo e acumular a renda do trabalho com a renda da aposentadoria.
A senhora tem estudado e acompanhado a situação dos idosos há muitos anos no país. Qual diria que é a situação deles e como ela foi se modificando ao longo dos anos, especialmente em relação à renda?
De uma maneira geral, nesta última década, houve uma perda relativa de renda entre os idosos, mas eles ainda perderam menos renda do que os não idosos. Além disso, os idosos que recebem um salário mínimo estão relativamente bem em relação aos não idosos. Os outros idosos, que recebem mais de um salário mínimo, estão relativamente piores do que os demais, porque o reajuste do benefício acima de um salário mínimo não acompanhou o salário mínimo.
Pode nos dar um panorama das conclusões centrais do seu estudo?
Um dos objetivos do estudo é a não discriminação do idoso quando é preciso decidir sobre vagas de UTI para idoso ou não idoso. Ou seja, chamar a atenção para a importância de se ter um cuidado com o idoso, por um lado e, por outro lado, para a necessidade de que esses não idosos sejam alvo de políticas sociais. Não sei se eles estão recebendo o auxílio emergencial, mas precisam ser alvo de políticas de inserção no mercado de trabalho pós-pandemia, precisam de capacitação para enfrentar o mercado de trabalho; estou caminhando para esta conclusão.
Que políticas públicas precisam ser adotadas para diminuir a dependência das famílias da renda dos idosos?
Políticas de inserção dessas pessoas no mercado de trabalho, capacitação e treinamento.
Como estima que essa realidade das famílias que dependem da renda dos idosos pode se alterar e se agravar a partir do desemprego, de um lado, e da morte de idosos, de outro, por causa da pandemia de covid-19?
Provavelmente a pobreza e a desigualdade vão aumentar. Essa é uma coisa que já está dada.
Para que patamares de pobreza vamos retornar?
Não sei dizer. Na minha avaliação, quem fizer qualquer previsão sobre como será o cenário pós-pandemia está chutando, porque é tudo tão novo, que é difícil fazer previsões.
Ref.: https://outraspalavras.net/
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