Postado em 26/06/2019 10:59 - Edição: Marcos Sefrin
O euro, antes de se justificar como um projeto político, econômico ou social, parece tirar sua legitimidade de uma imaginação toda ela assentada em motivações de fundo histórico-cultural. A Europa foi o palco as duas maiores guerras da humanidade. Palco que se estendeu à imensa Rússia e fez por força inventar a maior reação de todas, a Grande Guerra Patriótica. Mais de 30 milhões de russos mortos…
Mas o euro é um problema europeu… Como subproduto do continente que brigou tanto entre ao longo dos séculos, foi criado um novo Estado, o de Israel, um enclave judaico e, hoje, predominantemente sionista, em meio ao território secularmente islâmico. Quantos genocídios desde então? Quantas guerras para desestabilização de Estados-nacionais soberanos, em meio à Guerra Fria, como também em meio ao longo e poderoso processo de descolonialização e de afirmação dos países chamados do Terceiro Mundo. A guerra de Israel contra o Egito de Nasser, o regime africano que afrontou e venceu o imperialismo britânico, foi a guerra para derrubar Nasser, que de fato o derrubou. Quantos crimes as penas e pecados da Europa continua a perpetrar?
Afirmar que o euro foi o motor da estabilização das relações entre os países europeus parece um postura utópica. Como uma unificação monetária pode produzir uma união política? Como Estados com culturas, línguas, economias e histórias tão diferentes poderiam se unificar através da mera unificação monetária? Para dar conta do regimento monetário que iria controlar esses diferentes países foi criado o Mecanismo de Estabilidade Europeu. As nações passaram a não ter mais controle sobre a emissão da própria moeda e, consequentemente, a criação de crédito público voltado aos seus próprios interesses. Sequestrou-se a capacidade soberana de qualquer nação soberana na modernidade: o controle e o direcionamento de suas riquezas.
Como diz Helga Zepp-LaRouche em precioso ensaio sobre o sistema do euro e o sistema de crédito de Franklin Rossevelt [aqui]: “Como é bem conhecido, o euro não nasceu de considerações econômicas sólidas, mas, pelo contrário, da intenção geopolítica de vincular a Alemanha reunificada ao cinturão da UE, forçando-a a abandonar o marco alemão. O ex-assessor de François Mitterrand, Jacques Attali, mais tarde admitiu que era claro para todos os participantes daquele tempo, que uma união de moedas não iria funcionar sem união política, e que esse defeito de nascença do euro foi intencionalmente designado para forçar a Europa para uma união política posteriormente!”.
A união política montada posteriormente foi a da burocracia que se instalou em Bruxelas. Parlamento europeu, Banco Central Europeu. Não se trata mais de uma Europa das nações, mas uma Europa dominada pelo sistema financeiro, extremamente enriquecido com as políticas perenes de flexibilização quantitativa. O BCE é uma instituição supranacional que aplica um protetorado sobre os países europeus ao estilo do FMI na América Latina ou da lei do teto dos gasto aqui no Brasil. Todos os gastos correntes do governo tem que passar pelo aval de Bruxelas, de onde vem as ordens para que os investimentos produtivos sejam desconsiderados a favor da criação de sobra de caixa para remunerar os sistema da dívida pública (cada vez mais alarmante pela própria política do sistema do euro de juros negativos e impressão generalizada de dinheiro para o mercado financeiro). Como escapar dessas tenebrosas correntes?
Nas últimas semanas houve o encontro da Salvini com Berlusconi para criar uma moeda paralela na Itália, chamada Mini-BOT. Ela serviria para pagar despesas correntes do governo por fora do orçamento público disponibilizado a partir de Bruxelas. É claramente uma medida paliativa. Caso continue o arroxo fiscal imposto pelo governo transnacional, dificilmente a Liga e seus apoiadores podem continuar a se legitimar no poder. O simples fato do anúncio da intenção do ministro italiano de adotar a nova medida causou furor entre os círculos político-econômicos ortodoxos, como exemplificado por matéria recente do The New York Times.
Em novembro do ano passado, Paolo Savona, ministro italiano para Assuntos Europeus, apresentou seu Documento di Economia e Finanza, em meio a aplausos calorosos do parlamento italiano [vídeo aqui]. Defendeu explicitamente uma política baseada no New Deal, de Franklin Roosevelt, no contexto do “pânico orçamentário” causado pelas negociações do governo italiano para tentar se livrar um pouco da asfixia financeira imposta por Bruxelas. O ministro Savona pertence a um grupo político na Itália mais distante de Salvini e próximo a outras figuras importantes como Luigi Di Maio e Michele Geraci. Diante do projeto de Savona (boicotado quando cotado para Ministro das Finanças) o projeto de Salvini-Berlusconi é uma clara distração frente a mudança de curso radical que os países da zona do euro tem que tomar para poder novamente lançar um amplo projeto de desenvolvimento sócio-econômico.
(desenvolvi o assunto de maneira mais ampla em artigo chamado Levar ao Centro o centro do mundo)
A união atual entre o “cavalheiro” Berlusconi e a solução eleitoral que encontraram para se livrar de Berlusconi, a Liga de Salvini, nos indica hoje como é difícil de um modo geral toda e qualquer decisão política. A proposta de Paolo Savona cede lugar a uma aliança espúria sem projeto de médio e longo prazo para a Itália. No Documento di Economia e Finanza está implícito a cooperação com a China em projeto em conjunto na África, como o Transaqua (de revitalização do lago Chad, zona geográfica vital em meio à fábrica de terroristas Boko-Haram), e de reestruturação da economia física do país através de um sistema de crédito à moda de Roosevelt e em parceria com o bloco econômico eurasiático (Rússia e China)
O ocidente parece viver entre o capitalismo e a anarquia: votar em Trump ajudou a relaxar as tensões com a Rússia, enquanto uma agenda de política interna reacionária era posta em prática sem, contudo, alterar os marcos fundamentais da economia americana. Sem fugir da flexibilização quantitativa não há meios de se desenvolver o país, apesar de todo o “nacionalismo” de seu presidente. Votar em Hillary seria apostar no neoliberalismo mais radical e na liberdade de atuação do partido da guerra nas fronteiras da Rússia e do Mar do Sul chinês. De um lado a anarquia, a extrema-direita, e de outro o capitalismo clássico, o do tipo de liberalismo vigente desde o desmonte dos acordos originais de Bretton Woods.
Enquanto não se ultrapassar as extremas limitações do paradigma político-econômico atual em todo o setor transatlântico, permanecerá o falso dilema: porque não é capitalismo ou anarquismo, mas os dois atuando em conjunto, como mostra a atual união entre Salvini e Berlusconi, ou seja, capitalismo e anarquia. Se no Brasil o PSDB foi o pai do golpe e de Bolsonaro, por aqui também se demonstra os efeitos nefastos da identidade absoluta entre neoliberalismo e o “novo” fenômeno da extrema-direita, muito bem caracterizado por Jacques Cheminade como Mussolinismo 3.0.
P.S: Esse post faz parte de uma série que, na verdade, toda ela poderia ter o nome de Capitalismo e Anarquia. Deixo abaixo a relação dos artigos recentemente publicados.
The Vice: Uma crônica do liberal-fascismo
Da Crise do Petróleo ao atual paradigma monetário internacional
A crise de 2008 e a política do Vale do Silício
Rogério Mattos: Professor e tradutor da revista Executive Intelligence Review. Formado em História (UERJ) e doutorando em Literatura Comparada (UFF). Mantém o site http://www.oabertinho.com.br, onde publica alguns de seus escritos.
Matéria feita por Rogério Mattos no dia 25/06/2019
Ref.: https://jornalggn.com.br/blog/rogerio
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