Postado em 03/07/2019 18:06 - Edição: Marcos Sefrin
Além de ser um entretenimento viciante para milhões de leitores, os romances do escritor japonês oferecem chaves para viver melhor
GORKA OLMO
Poucos escritores gozam de um sucesso tão contínuo nas livrarias ocidentais quanto Haruki Murakami, e o fato de ser um autor japonês torna isso ainda mais notável. O que tem o autor de Norwegian Wood para se conectar de forma tão extraordinária com públicos que estão a vários milhares de quilômetros dos cenários e histórias que ele descreve? Alguns críticos literários afirmam que seu sucesso reside em oferecer narrativa japonesa para ocidentais, motivo pelo qual Murakami tem muitos detratores em seu próprio país. Outros observam que suas tramas costumam ser simples e com poucos personagens, com o grau justo de mistério e reviravoltas narrativas. É muito improvável que alguém se perca em seus romances.
Entretanto, isso não basta para explicar o furor que causam suas histórias entre nós, cheias de estranhos acontecimentos, golpes do acaso, amantes inesperados, música clássica – ou jazz – e um ou outro gato. Não estaria Murakami plasmando nossa vida atual a partir do seu olhar particular? Vejamos então de que maneira sua leitura nos ensina a viver:
1. A solidão é a melhor via para o conhecimento. Em mais de um romance de Murakami, o protagonista empreende uma viagem solitária para escapar da confusão vital. No caso do jovem fugitivo de Kafka à Beira-Mar, isso lhe permitirá acessar aspectos desconhecidos de si mesmo. Quando nos vemos confrontados com a solidãodepois de uma separação ou morte, ou quando a buscamos através de uma viagem iniciática, afloram partes de nós que antes estavam soterradas. Sem a proteção e o ruído dos outros, o encontro com nós mesmos é inevitável, com o que damos um salto adiante em nossa própria evolução.
2. O mundo é imprevisível. A segunda lição de vida que extraímos de seus romances é que a vida sempre nos surpreende. Portanto, é absurdo tratar de controlá-la ou nos angustiar com possíveis ameaças. No último romance de Murakami, o extenso O Assassinato do Comendador, um pintor de vida estável e acomodada recebe a notícia de que sua mulher quer se separar porque teve um sonho que a empurra a tomar essa decisão. Quando o pintor lhe pergunta do que tratava esse sonho, lhe diz que é algo muito pessoal. Se só podemos esperar o inesperado, é inútil fazer previsões. E isso pode ser um grande calmante para a mente. Quanto aos porquês que podem surgir para nos torturar, isso nos leva à seguinte lição.
3. Não procure um sentido. Os argumentos de Murakami se desenvolvem em um mundo de caos e aleatoriedade. Muitas vezes nem sequer é possível culpar ninguém pelo sofrimento, o que é uma boa notícia. Como dizia Viktor Frankl, o ser humano vai em busca de sentido, mas grande parte das coisas que nos acontecem não o tem. Como nos romances do autor japonês, muitas vezes sentiremos que nossa vida é um sonho onde as coisas acontecem sem razão aparente. Podemos confrontar este fato com duas atitudes opostas: lamentar como o mundo é injusto e absurdo, ou surfar as ondas que a existência nos traz. Disso decorre a quarta lição.
4. Se sobreviver ao caos, você já ganhou. Dado que confrontamos sozinhos muitos trechos de nossa existência, e se sabemos também que tudo é imprevisível e que não há razão para que coisas tenham sentido, então talvez a arte de viver seja sair o melhor possível da experiência. Viemos ao mundo para vivenciar coisas, para tropeçar e para resolver problemas, como fazem os personagens de Murakami. O prêmio é seguir em frente no jogo.
5. O orgulho e o medo nos tiram o melhor da vida.Em seu ensaio Romancista como vocação, Murakami menciona uma história tão mágica quanto triste. Aparentemente, em uma noite de 1922 James Joyce e Marcel Proust estiveram num mesmo restaurante de Paris, onde jantaram em mesas próximas. Os comensais que os reconheceram estavam emocionados, esperando que aqueles gigantes da literatura começassem a debater. Nada aconteceu. Nas palavras do japonês: “A noite chegou ao fim sem que nenhum dos dois se dignasse dirigir a palavra ao outro. Imagino que foi o orgulho o que frustrou uma simples conversa, e isso é algo muito frequente”.
Quantas vezes perdemos uma oportunidade, pessoal ou profissional, por não ter dado o passo? Trate-se de orgulho, como interpreta Murakami, ou do medo de sermos rejeitados, ao nos conter talvez deixemos a mais bela página de nossa história por escrever.
Em busca da ternura perdida
Como comenta Carme García Gomila em um ensaio para a revista Temas de Psicoanálisis, a solidão dos personagens de Murakami vai além das “relações líquidas”, o conceito do sociólogo Zygmunt Bauman para explicar o fim dos vínculos “vitalícios” em um mundo no qual o amor se tornou provisório e precário.
Para García Gomila, sob a rigidez da sociedade japonesa pulsa uma ternura etérea, quase indetectável, pois está longamente reprimida na alma japonesa e talvez atualmente na ocidental. As peripécias dos personagens de Murakami, nesse sentido, são uma busca desesperada por essa ternura que, com sorte, algum dia tiveram – talvez através de sua mãe – e que se oculta adormecida no fundo de sua alma.
MATÉRIA FEITA POR Francesc Miralles é escritor e jornalista especializado em psicologia.
Ref.: https://brasil.elpais.com/
Ocorreu um erro de reconhecimento de sua tela. Atualize a página.