Postado em 30/01/2019 14:24 - Edição: Marcos Sefrin
Voluntários aproveitam espaço livre à beira da Antônio Carlos para plantar alimentos e ervas medicinais. Safra é distribuída na comunidade. Ideia se repete em outras áreas
Cida Barcelos, idealizadora do Quintal de Sô Antônio, e o estudante Paulo Vinícius cuidam dos canteiros. 'É uma ação muito gratificante', diz ele
Eles plantam milho, colhem abóboras e adubam o canteiro de manjericão com entusiasmo. Molham os pés de milho, semeiam ervas medicinais e admiram o crescimento do girassol, que, à luz da manhã, se torna ainda mais brilhante. À beira da Avenida Antônio Carlos, no Bairro Lagoinha, na Região Noroeste de Belo Horizonte, grupo de voluntários cuida de uma área chamada mineiramente de Quintal de Sô Antônio, referência ao político Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1870-1946) que dá nome à via pública e foi “presidente” de Minas Gerais na época em que “governador” não era usual. A ideia se estende e ganha terreno em outros bairros da capital, como o Nova Cintra, na Região Oeste, onde uma mulher se dedica a aproveitar áreas degradadas e oferecer bons frutos. Continua depois da publicidade
Com chapelão de palha, óculos escuros e mangueira em punho, a idealizadora do projeto Hortelões da Lagoinha, Cida Barcelos, atriz, conta com o apoio de estudantes de biologia e de um técnico em meio ambiente, todos voluntários, para receber, em troca, os agradecimentos dos moradores. “Somos um coletivo interessado em aproveitar o espaço urbano, cuidar dele, plantar, colher e distribuir a safra para quem quiser. A partir do canteiro de ervas medicinais, queremos promover a cura”, afirma Cida Barcelos, que mora perto do Quintal localizado no cruzamento da Antônio Carlos com as ruas Adalberto Ferraz e Francisco Soucasseaux.
Às 10h de sábado o movimento já era intenso na avenida de acesso à Pampulha, mas nem motores, nem buzinas tiravam a concentração da turma preocupada em retirar matos e galhos secos, trabalhar a terra com a enxada, revolver o solo e, nesta época, começar a colher batata-doce. Cida conta que a iniciativa começou há dois anos, floresceu e frutificou graças ao envolvimento das pessoas e resposta positiva do entorno. “O lugar está aberto a todo mundo, tanto que muitos moradores de rua passam sempre aqui e pegam o que estiver em produção”, afirma Cida que, ao fim da frase, recebe o abraço de um homem que mostra gratidão só com o olhar. “Este está sempre aqui, virou amigo”, observa, explicando que o plantio é todo feito na forma circular das mandalas.
O sol escaldante não tira o entusiasmo dos estudantes de biologia, ambos de 23 anos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Paulo Vinícius de Jesus Morgado, morador da Pampulha, e Alexandre Procópio Silva Alvarenga, do Bairro Floresta, na Região Leste. Sempre aos sábados, o coletivo está a postos. Com a ferramenta limpando o mato, Paulo Vinícius destaca a importância do aproveitamento do terreno com o cultivo e, nessa atividade, tem oportunidade de aliar os conhecimentos acadêmicos à prática. “Procuramos trazer de novo a natureza para dentro da cidade, numa ação muito gratificante”, revela. No projeto, os vizinhos colaboram com o fornecimento de água.
Saindo do meio do pequeno milharal a poucos metros do asfalto, Alexandre lembra que a ação coletiva significa “ativismo ambiental” em favor da agricultura urbana. “Estamos recuperando uma região muito degradada. Somos movidos pelo entusiasmo, pela vontade de fazer”, diz o jovem, enquanto o técnico em meio ambiente Alexandre de Oliveira Diniz, de 42, explica que se trata de uma região degradada em vários aspectos, incluindo os lados social, arquitetônico e ambiental. Passando por ali, o professor Marlon César de Freitas, de 49, enaltece o esforço do grupo, que alia a sustentabilidade a práticas importantes, como evitar acúmulo de lixo na rua.
Maria José cuida de canteiro de flores e chás iniciado por ela há nove anos, um oásis perto de lixão no Bairro Nova Cintra
OÁSIS Não poderia ser mais fértil o cruzamento das ruas Benjamim Flores e Felicíssimo, no Bairro Nova Cintra. À beira da via-férrea, a cearense de Juazeiro do Norte Maria José Diniz Cordeiro, há nove anos em BH, criou um oásis florido e colorido a poucos metros de um lixão que tira a tranquilidade dos moradores da Região Oeste. Com apoio do marido Ricardo e dos filhos Daniel, de 30, Jônatas, de 37 e Raíssa, de 28, Maria José cultiva bico de papagaio, samambaias, beijinhos, espada-de-são-jorge e uma moita de capim cidreira. “O pessoal pode pegar aqui para fazer chá”, conta a simpática cearense que, à noite, vende cachorro quente num carrinho e gosta do lugar sempre limpo. “Agora, quero aumentar e fazer uma horta”, avisa.
A iniciativa ganhou forma em julho e, nos meses seguintes, muitos melhoramentos foram chegando. Para evitar que os bodes que transitam na região acabassem com os canteiros, cercados com pneus doados por um morador e pintados com capricho, Maria José comprou tela de metal e protegeu a área de cerca de 20 metros quadrados. Para implementar um programa informal de educação ambiental, colocou cartazes, como a citação de uma música: “As rosas não falam, simplesmente exalam o perfume”, ou a direta “Não arranque. Deixe crescer”.
“Aqui era muito sujo, tinha lixo para todo lado, dava um aspecto de abandono. Faço a minha parte. A gente precisa começar a ajudar o bairro de algum jeito, não é mesmo? Tenho paciência. No início, muita gente passava e levava as mudas. Agora está melhorando, as plantas cresceram”, diz com um sorriso a avó de duas crianças, uma nascida em BH. Satisfeita com o resultado, a cearense leva diariamente garrafões de água e agradece a colaboração dos vizinhos que também fazem sua parte. “Já peguei capim cidreira para fazer chá É algo muito bom para todos nós”, comenta dona Jandira, que virou “freguesa” e contente com o novo ponto de convívio.
Morador há mais de quatro décadas da Rua Felicíssimo, o morador autônomo Pedro de Paulo e Silva elogia o “esforço e colaboração com a comunidade” de Maria José, e, com humor, garante que o mínimo que pode ficar é “felicíssimo”.
ARTICULAÇÃO A Prefeitura de Belo Horizonte informa, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, que oferece apoio a iniciativas de agricultura urbana. Os procedimentos necessários são: ter algum tipo de articulação na comunidade (pode ser um grupo que não precisa ser formalizado, mas organizado), sendo que o coletivo deve fazer a identificação de uma área pública e com potencial para ser cultivada. Os integrantes devem procurar a regional responsável, que fará uma primeira avaliação (territorial) da área e do nível de articulação da comunidade.
Em nota, a secretaria informa que “reconhecida a proposta pela regional, será feito o encaminhamento de um protocolo interno para a Subsecretaria de Segurança Alimentar e Nutricional e para a Gerência de Fomento a Agricultura Familiar e Urbana – após o encaminhamento, é feita a avaliação de viabilidade técnica da proposta e se há articulação para a produção, com início de um processo de formação. Para a produção, a prefeitura oferece apoio para a implementação da horta, cercamento da área e oferta de insumos (mudas, adubos e ferramentas).
“Dependendo do amadurecimento da produção e havendo interesse do grupo e escala de produção, a prefeitura também apoia o processo de organização para a comercialização”, informam os técnicos. As ações são dentro dos princípios da agroecologia, excluindo qualquer uso de produtos químicos e agrotóxicos, visando à produção de alimentos saudáveis e sustentáveis, agindo também para a recuperação do meio ambiente.
Comunidades contra o lixo
Luta incessante contra o lixo. Em 11 de novembro, moradores dos bairros Nova Cintra e Vista Alegre e das vilas Vista Alegre e Betânia fizeram uma manifestação contra o descarte de resíduos domésticos e entulho de construção ao longo do trecho ferroviário que corta a Região Oeste de Belo Horizonte. O ato teve distribuição de folhetos educativos, música, depoimentos e culminou com um abraço simbólico no cruzamento das ruas Jornalista João Bosco e Benjamim Flores, trecho movimentado do Nova Cintra. A principal reivindicação das comunidades é que moradores e construtores parem de jogar lixo ao longo da linha sob concessão da VLI, controladora da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). “A situação está cada vez mais difícil, com perigo diário. O objetivo é conscientizar todo mundo, mostrar que o lixo só traz doença”, disse o presidente da Associação Primeiro de Maio da Vila Vista Alegre, Sérgio Diniz de Oliveira, ao lado do presidente da Associação de Moradores e Empreendedores da Vila Betânia (Ame-Betânia), Gladson Reis.
Ref.: https://www.em.com.br
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