Postado em 23/07/2019 10:36 - Edição: Marcos Sefrin
A Via Láctea devorou Gaia-Encélado há 10 bilhões de anos, diz estudo liderado por astrônomos espanhóis
A Via Láctea vista do Parque Nacional de Nambung, no oeste da Austrália.Foto NASA/ MICHAEL GOH
Dentro da astronomia existe algo conhecido como “arqueologia galáctica”, explica a astrônoma Carme Gallart, do Instituto de Astrofísica das Canárias (IAC). “Em todas as galáxias, há estrelas quase tão antigas quanto o Universo, que se formou há 13,7 bilhões de anos, e outras mais jovens. Graças a essas estrelas fósseis, podemos reconstruir a história da nossa galáxia”, afirma.
A equipe de Gallart analisou a cor e a intensidade de um milhão de estrelas num raio de 6.500 anos-luz (mais de um trilhão de quilômetros) cuja distância à Terra foi medida de forma precisa pela missão Gaia da Agência Espacial Europeia. Os pesquisadores se concentraram em duas populações de estrelas que estão no halo galáctico – a descomunal esfera que envolve o disco aplainado da Via Láctea, onde orbitam muitas de suas estrelas, incluindo o Sol. No halo existem dois grupos estelares: um de astros azuis e brilhantes; e outro mais vermelho e tênue. Os cientistas usaram modelos de evolução estelar para calcular sua idade. As conclusões, publicadas nesta segunda-feira na revista Nature Astronomy, revelam os detalhes de um episódio muito pouco conhecido na história da nossa galáxia.
A cor e a concentração de elementos pesados das estrelas estudadas indicam que cada grupo provém de uma galáxia diferente. As estrelas vermelhas nasceram na Via Láctea primitiva há cerca de 13 bilhões de anos. As azuis surgiram mais ou menos na mesma época, mas em Gaia-Encélado, uma galáxia anã cerca de quatro vezes menor. Há uns 10 bilhões de anos, ambas as galáxias colidiram de forma violenta, e a maior engoliu a menor. Muitas das estrelas de Gaia-Encédalo passaram a viajar sem ordem aparente pelo halo galáctico da Via Láctea, junto com uma população menor de estrelas autóctones. As duas populações – os fósseis que contam essa história – continuam sendo claramente identificáveis.
Representação do céu noturno da Terra dentro de 3,7 bilhões de anos, com a galáxia de Andrômeda, à esquerda, e a Via Láctea. NASA
“No início da vida no Universo, essas colisões eram muito frequentes e permitiram que as galáxias aumentassem de tamanho até alcançarem dimensões como as que vemos hoje”, diz Gallart. “A Via Láctea provavelmente viveu dezenas ou centenas de fusões, mas essa é a maior já detectada.”
“O estudo é muito interessante e ajuda muito a entender como foi o impacto entre a Via Láctea primitiva e Gaia-Encédalo”, afirma Amina Helmi, professora do Instituto Astronômico Kapteyn da Universidade de Groningen (Holanda), cuja equipe propôs pela primeira vez, no ano passado, a existência dessa galáxia anã e a colisão com a nossa, embora sem poder determinar quando isso aconteceu.
Esse ato de canibalismo cósmico teve efeitos benéficos. A formação de estrelas em Gaia-Encélado foi interrompida completamente após ela ser engolida, mas na Via Láctea houve um ressurgimento de novas estrelas que durou até cerca de 6 bilhões de anos atrás. Isso não quer dizer que novos astros tenham deixado de nascer depois disso. Há uns 4,5 bilhões de anos, nasceu uma estrela anã amarela – e ao redor dela os oito planetas do Sistema Solar. Em um desses planetas, a Terra, surgiu vida pela primeira vez há mais de 3 bilhões de anos. É interessante pensar, diz Gallart, que as fósseis que ela estudou “tiveram duas vezes mais tempo que o nosso Sistema Solar para formar vida e, possivelmente, seres inteligentes”.
E há um dado ainda mais esclarecedor: no Universo há cerca de 200 bilhões de galáxias onde algo parecido ocorreu ou esteja a ponto de ocorrer. De fato, em pouco menos de 10 bilhões de anos, nossa galáxia se fundirá com Andrômeda, outra galáxia gigante próxima.
Ref.: https://brasil.elpais.com/
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