Postado em 25/06/2019 11:01 - Edição: Marcos Sefrin
Bicampeão mundial com a seleção brasileira em 1958 e 1962, o craque se tornou treinador depois da aposentadoria e transformou o futebol no país vizinho
Didi com a camisa do Brasil contra o Peru no Maracanã, em 1957, quando a seleção venceu com gol dele e se classificou para a Copa da Suécia. GETTY IMAGES
Relembrar o primeiro título mundial da seleção brasileira, conquistado em 1958, quase sempre significa falar de Pelé. Aos 17 anos, ele foi o camisa 10 da seleção e brilhou na Suécia com gols e jogadas antológicas. O maior jogador de futebol de todos os tempos, no entanto, não ganhou o prêmio de melhor jogador daquela Copa do Mundo. Tal honra coube a Didi, apelido de Valdir Pereira, um jogador mais discreto que o camisa 10, mas não menos brilhante. Craque do Botafogo, o meia de 30 anos era conhecido como o “o dono do time” que ganhou a primeira estrela. Foi ele quem, em reunião com o treinador Vicente Feola no meio do Mundial, pediu a entrada de Pelé e Garrincha no time titular e, na final, após o Brasil levar um gol dos suecos com quatro minutos, buscou a bola no fundo da rede e levou até o meio-campo enquanto incentivava seus companheiros, gesto que marcou a vitória de virada da seleção por 5 a 2 na decisão. Didi ainda foi bicampeão mundial em 1962 antes de se aposentar e comandar outro país em uma Copa, desta vez como treinador. Foi trabalhando no Peru, adversário que o Brasil enfrenta neste sábado, às 16h (horário de Brasília), que Didi se tornou mais ídolo do que no seu país natal.
A relação do meia com os peruanos começou antes da própria Copa de 1958, nas eliminatórias sul-americanas para o Mundial. O Brasil se classificou para o torneio na Suécia graças a uma vitória por 1 a 0 contra o Peru, com um gol de Didi, em abril de 1957. “Ele [Didi] viraria inclusive amigo de Asca, que foi o goleiro peruano daquele jogo”, conta o jornalista Péris Ribeiro, autor da biografia Didi: o gênio da folha seca, publicada em 1993. O segundo contato do jogador com os peruanos aconteceria apenas seis anos depois, quando o meia já tinha acrescentado ao seu currículo duas Copas e uma breve passagem pelo Real Madrid. Em fim de carreira e ainda com contrato no Botafogo, equipe que defendia há seis temporadas, Didi começou a planejar sua empreitada como treinador. Recebeu o convite para jogar e treinar no Sporting Cristal, de Lima, por uma boa quantia. “O Botafogo deixou ele ir, mas não deixou ele jogar porque era dono do seu passe [o nome dado ao contrato da época]. Então só foi treinador”, relata Ribeiro.
Didi fez um trabalho discreto no Cristal e, com saudades do Rio de Janeiro, voltou para o Botafogo um ano depois. Ainda não via o Peru como segunda casa. Jogou dois anos pelo clube carioca e disputou suas últimas partidas, já com 38 anos, no São Paulo. Só então, livre das amarras legais, se aposentou e recebeu o convite para voltar ao cargo de técnico no Sporting. “Encarando a coisa seriamente, ele montou o maior Sporting Cristal da história”, afirma seu biógrafo. Foi campeão peruano em 1968, sua primeira temporada, com metade do time titular da seleção peruana.
Tamanho sucesso no futebol local não poderia resultar em outra coisa se não o convite para dirigir a seleção do Peru. “Foi ali que a carreira de treinador do meu pai cresceu”, constata Lia Pereira, filha de Didi e Guiomar, esposa que foi casada com o jogador por quase 50 anos. Com o ex-jogador no comando, os peruanos eliminaram Argentina e Bolívia nas Eliminatórias e, na Copa do Mundo, caíram no grupo com Alemanha, Bulgária e Marrocos. Bateram búlgaros e marroquinos, mas perderam para os então campeões mundiais e, por isso, precisaram jogar contra o Brasil, que havia sido líder absoluto no seu grupo, já nas quartas de final. No duelo do ídolo contra uma geração que cresceu admirando-o, Didi perdeu para aqueles que acabariam levantando a taça: 4 a 2.”Meu pai sempre disse: não ganhamos a Copa, mas a forma com que a seleção peruana jogou deixou sua marca no mundo”, afirma Lia.
Didi treinando o Peru.
“Ele virou um deus no Peru por fazer o futebol do país acordar para o mundo”, continua Péris Ribeiro. “O general Juan Velasco Alvarado [no comando do país] queria que ele virasse peruano, porque ele foi o homem que fez o futebol peruano acordar”. O jornalista ainda diz que o treinador da seleção, enquanto morava no país, tinha o privilégio de poder “cair na gandaia”, furando os toques de recolher do regime militar que governava o Peru. “Aquela seleção foi impecável, e os peruanos reverenciam Didi até hoje por causa disso; chegar às quartas de final foi a melhor colocação da história do Peru”, completa Lily Baylón, escritora e filha de Júlio Baylón, um dos jogadores treinados pelo brasileiro na seleção em 1970. “Seus jogadores contam que sentiam respeito pela disciplina e que eram ensinados a ter amor pela camisa, condição que ele podia entender bem porque também foi jogador. A gratidão que o povo peruano e sua seleção sentem hoje por Didi é inestimável”, diz ela.
Apesar da idolatria, Didi escolheu deixar a seleção após a Copa para treinar o River Plate e, posteriormente, trabalhar no Fenerbahçe, da Turquia. Recomendou aos dirigentes peruanos Elba de Pádua Lima, o Tim, para treinar a seleção do país no Mundial de 1982, mas só voltou ao Peru em 1986, como técnico o Alianza Lima, um dos rivais do Sporting Cristal. Em dezembro do ano seguinte, quando o brasileiro já havia deixado o Alianza, a equipe sofreu um acidente de avião voltando para Lima após uma partida pelo campeonato peruano. O avião, com 43 pessoas a bordo, caiu no mar nas proximidades do distrito de Ventanilla. 42 morreram, entre eles todos os jogadores, diretoria, comissão técnica e torcedores do clube; apenas o piloto da aeronave sobreviveu. "Didi tinha amigos no Alianza Lima e foi convidado pelo clube para viajar com a delegação nesse jogo, mas não aceitou", revela Péris Ribeiro.
Didi morreu em 2001, no Rio de Janeiro, aos 72 anos, vítima de falência múltipla dos órgãos em decorrência de um câncer de fígado. Seu velório aconteceu na sede do Botafogo, mas nenhum dirigente do clube marcou presença. De ex-jogadores, apenas os companheiros de seleção Orlando e Vavá compareceram. "Ele merecia mais homenagens", afirmou na oportunidade Benedita Pereira, irmã do jogador. Se ele não foi tão reconhecido pelos feitos no Brasil, a filha Lia ressalta o afeto que recebe dos peruanos. "Temos uma segunda casa chamada Peru. Quando vamos lá, eles são muito carinhosos conosco. Agradeço por sempre se recordarem de Valdir Pereira, o Didi."
Matéria feita por DIOGO MAGRI em São Paulo 22 JUN 2019 - 18:30 BRT
Ref.: https://brasil.elpais.com/
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