Postado em 07/08/2018 18:55 - Edição: Marcos Sefrin
Econofísica I: Sistema de Preços Relativos e a Física de Isaac Newton
O sistema de preços relativos é considerado a pedra-de-toque do pensamento econômico ultraliberal: um meio de avaliar, padrão ou referência para a Economia. No sistema econômico de livre-mercado, os preços têm a função de equilibrar as decisões de milhões de indivíduos de interesses muitas vezes competitivos, assegurando coesão à economia como um todo. Considerando as variações dos preços, os empresários podem decidir por quais bens ou serviços (e em qual quantidade) suas empresas devem produzir, estimando a demanda por esses bens através dos indicadores de seus preços em relação a outros.
Essa concepção econômica teria se inspirado na Teoria da Relatividade de Albert Einstein? Resumidamente, a Teoria da Relatividade afirma: o tempo não é igual para todos, podendo variar de acordo com a velocidade, a gravidade e o espaço. Embora seja uma ideia inspiradora a ser aplicada em Economia – como farei em próximo artigo – parece-me os preços relativos se remeterem mais às Leis de Isaac Newton.
Física é um termo com origem no grego “physis” com significado de “natureza”. Essa ciência estuda supostas leis regentes de fenômenos naturais suscetíveis de serem examinados pela observação experimentação, procurando enquadrá-los em esquemas lógicos. Baseada em teorias racionais e experimentos laboratoriais, suas teorias se dividem entre a mecânica clássica (descrição do movimento de objetos), a mecânica quântica (determinação de medidas de grandezas), a relatividade (relações do espaço-tempo e a gravidade) e o eletromagnetismo (estudo da eletricidade e magnetismo).
A Econofísica é campo de estudo em busca de relacionar ou explicar fenômenos econômicos com auxílio de técnicas da Física. Geralmente as técnicas utilizadas para este propósito envolvem dinâmica não linear, processos estocásticos e incertezas.
Dentro da Teoria das Probabilidades, um processo estocástico é uma família de variáveis aleatórias representando a evolução de um sistema de valores com o tempo. É a contraparte probabilística de um processo determinístico. Ao invés de um processo com um único modo de evoluir, em um processo estocástico há uma indeterminação: mesmo conhecendo a condição inicial, existem várias, por vezes infinitas, direções nas quais o processo pode evoluir se afastando daquela condição.
A Teoria do Caos trata de sistemas complexos e dinâmicos rigorosamente deterministas, mas eles apresentam um fenômeno fundamental de instabilidade, chamado de sensibilidade às condições iniciais. Modulando uma propriedade suplementar de recorrência, na prática, ela os torna não previsíveis em longo prazo.
Quando o sistema natural é a própria natureza, e a codificação e a decodificação são feitas pelo uso da Matemática, é comum dizer: o que está sendo feito é Física.
Um ponto relevante para entender o que um físico faz é compará-lo com um economista. Na economia ortodoxa, a “regra” é o reducionismo atomístico, no qual a realidade deve ser explicada em termos de um agente representativo racional. Os economistas ortodoxos partem do princípio de o comportamento agregado de um sistema ser idêntico à soma dos efeitos de cada uma das causas individuais.
Por sua vez, o físico utiliza, como “princípio”, o reducionismo interativo, ou seja, não tenta descrever um agente do sistema de forma atomizada e sim busca descrever a interação de um agente com o outro. Para um físico, a interação entre agentes resulta em uma descrição estatística do comportamento agregado do sistema.
Já economistas taxados como heterodoxos fazem Econofísica quando incorporam a ideia de o desempenho resultante da economia ser emergente das interações entre seus diversos componentes: as psicologias dos agentes econômicos, as instituições, as adequações, as inovações ou rupturas, etc. Adotam uma visão multidisciplinar.
Nesta abordagem da Economia como um Sistema Complexo, a psicologia individual dos traders(componentes do mercado) não é desconsiderada, obedecendo-se apenas às propriedades estatísticas. Pelo contrário, incorpora os estudos da Economia Comportamental a respeito dos vieses heurísticos dos agentes econômicos.
Para certas aplicações da Física no mercado financeiro as Finanças Comportamentais são deixadas de lado. Por exemplo, algoritmos quantitativos buscam conseguir retornos financeiros positivos na bolsa de valores por meio de máquinas operando rapidamente segundo um código determinado. Só não preveem o “cisne negro”, isto é, o evento aleatório resultante em risco sistêmico. Então, o caos se instala de modo interdependente.
Exemplo recente visível para todos, inclusive aos leigos em Economia: os efeitos da greve dos caminhoneiros. Detonou um risco sistêmico, tornando todos os demais agentes reféns dos seus interesses corporativos e das grandes transportadoras. Foi uma reação esperada (para os heterodoxos) ou inesperada (pelos ortodoxos)?
O “dream team” oportunista apoiou o governo golpista para fazer a “lição de casa” neoliberal, isto é, implantar a austeridade fiscal e a verdade dos preços livres, depois de suas críticas à “nova matriz macroeconômica heterodoxa”, supostamente imposta pelo PT. Os “fundamentos” reais seriam respeitados, reformas neoliberais implementadas e, liberado das amarras e distorções, O Livre Mercado responderia com a atividade econômica sendo retomada. A economia voltaria a crescer. Essa foi a promessa feita quando o grupo neoliberal assumiu o comando da economia brasileira em 2016.
Tudo aparente: Pedro Parente, incensado pela mídia golpista por fazer prevalecer os interesses dos acionistas minoritários na Petrobras, adotou uma insana política de volatilidade diária dos preços de combustíveis tais como a precificação dos ativos financeiros. Preços marcados-a-mercado acompanhavam as peripécias da taxa de câmbio e das cotações da commodity petróleo, inviabilizando lucros nas encomendas de transportes com tarifas prefixadas!
A greve dos caminhoneiros parou o Brasil: faltou comida, gasolina, remédios. Centenas de voos foram cancelados. Os prejuízos estimados pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) ultrapassaram o da perda de frangos. Em maio de 2018, o desempenho da indústria foi gravemente afetado pela paralisação do transporte rodoviário de carga ocorrida nas últimas semanas do mês. A produção industrial recuou nada menos do que 10,9% frente a abril, já descontados os efeitos sazonais, atingindo 24 dos 26 ramos pesquisados pelo IBGE. Mas não foi só: os estoques acima do desejado chegaram a patamares recordes, a utilização da capacidade instalada declinou, a confiança dos empresários retrocedeu e as exportações de manufaturados caíram.
Tudo isso fez com que o caos se instaurasse por todas as classes sociais. Desde as famílias mais pobres, sem encontrar itens de primeira necessidade, aos acionistas da Petrobras e à casta dos executivos, cujos dividendos e bônus ficaram sob ameaça. Os grupos de WhatsApp e “feicebuque” disseminaram o pânico generalizado.
A situação expôs a fragilidade política e econômica do governo golpista. Também colocou em xeque a política aparente da Petrobras. Mesmo sendo um monopólio, flutuava o preço dos combustíveis de acordo com o mercado internacional.
Economistas ortodoxos diriam: pura Física newtoniana! Eles seguem Leon Walras e sua pressuposta existência de um centro gravitacional à la Isaac Newton de equilíbrio geral.
Walras comparou essa situação com um leilão. Os produtores levam suas mercadorias para vender e os consumidores chegam dispostos a comprar. Todos os mercados são inter-relacionados. Quando o preço para um conjunto de mercadorias é alcançado, é necessário fazer ajustes nos preços anteriores estabelecidos pelo leilão. Por meio desse sistema de ajustamento, há um tâtonnement (tateio) rumo ao estado de equilíbrio geral.
Se nenhum preço é prefixado, o sistema de preços relativos se reestabelece. A taxa de inflação – média ponderada de preços – fica inerte. Basta um choque, isto é, a variação do preço de um insumo de uso universal, como o combustível ou a energia elétrica, acima dessa média, para puxar ela para cima até os outros preços reagirem!
As leis anunciadas por Isaac Newton, em 1687, explicavam vários comportamentos relativos ao movimento de objetos. As “leis econômicas” são análogas a elas.
Princípio da inércia: todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, exceto se for forçado a mudar aquele estado por forças imprimidas sobre ele. Exemplo: efeito do preço de combustível sobre demais preços.
Princípio da dinâmica: a mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida, e vai na direção da linha reta na qual aquela força é imprimida. A inflação sobe.
Princípio da ação e reação: a toda ação há sempre oposta uma reação igual, ou, as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas. Ao golpe se reage com contragolpe. Ao choque de preço se reage com variações dos preços relativos até nova inércia se estabelecer à custa de perda de renda e empregos.
Fernando Nogueira da Costa - Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Brasil dos Bancos” (2012) e “Bancos Públicos no Brasil” (2016). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.
Matéria feita por Fernando Nogueira da Costa TER, 07/08/2018 - 16:58 - ATUALIZADO EM 07/08/2018 - 17:07
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