Postado em 09/07/2019 09:05 - Edição: Marcos Sefrin
A volatilidade dos preços dos combustíveis costuma ser um tema recorrente nos debates da opinião pública e dos governos de diversos países. Por isso, é comum a adoção de medidas que procurem reduzir os efeitos das oscilações do preço internacional do petróleo no repasse aos consumidores finais.
A despeito das críticas de alguns especialistas, exemplos internacionais mostram que países com maior grau de regulação nos preços podem vir a reduzir a volatilidade no reajuste dos valores dos combustíveis.
Há algumas explicações para isso: no caso do petróleo, o preço não é determinado dentro de um mercado concorrencial, e sim por meio de oligopólios, nos quais poucos produtores definem as mudanças de preço a curto prazo. Dessa forma, países sem instrumentos regulatórios tendem a sofrer mais com a volatilidade e as alterações abruptas realizadas por um pequeno grupo de países e empresas que detêm grande parte da produção global.
De acordo com um estudo do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), baseado em dados da Agência Internacional de Energia (AIE), alguns países da Europa apresentam uma relativa estabilidade dos preços de seus derivados, a despeito de não serem grandes produtores de petróleo, diferentemente de outras nações com maior produção, como Brasil e México.
No caso do preço da gasolina, Áustria e Dinamarca apresentaram variações bem inferiores aos países do continente americano. Segundo o estudo do Ineep, esses foram os países da OCDE com menor volatilidade entre 2017 e 2018.
O gráfico nesta página mostra que os dois países europeus (ver linhas azul-clara e cinza) apresentaram menos oscilações no preço da gasolina comum em relação aos demais. Entre o primeiro trimestre de 2017 (1t2017) e o primeiro de 2018, as curvas de Dinamarca e Áustria ficaram próximas de 100 (considerando número-índice 1t2017=100), ou seja, praticamente estáveis, enquanto as demais ficaram próximas ou acima de 105. Além disso, do primeiro trimestre de 2017 ao quarto de 2018, Áustria e Dinamarca foram os países que tiveram a menor variação de preços, subindo, respectivamente, 10,6% e 4,2%. A título de comparação, Brasil e México registraram aumentos, no mesmo período, de respectivamente 19,6% e 17,2%.
Países com algumas das legislações mais rígidas da Europa em relação ao setor energético, Áustria e Dinamarca apresentam alternativas distintas para suavizar os preços internacionais dos combustíveis no mercado interno.
No caso austríaco, é importante lembrar que se trata de um país dependente da importação de petróleo cru e derivados para suprir sua demanda interna, embora seu parque de refino nacional produza quase dois terços do consumo doméstico.
Para suavizar o repasse da oscilação internacional das importações ao consumo interno, uma das medidas mais famosas do governo austríaco foi proibir os postos de abastecimento de aumentar os preços da bomba mais de uma vez por dia. Vigente desde 2009, tem o intuito de proteger o consumidor final da volatilidade do petróleo, ao mesmo tempo que estimula a concorrência entre os revendedores, uma vez que o governo proíbe o preço de subir, mas não de cair.
Além disso, o órgão regulador austríaco introduziu uma plataforma on-line na qual os postos de gasolina devem publicar seus preços. O painel de transparência visou constranger eventuais aumentos abusivos e a prática de cartéis, bem como reduzir custos de transação. Essas medidas, além de promoverem transparência ao mercado, facilitam a supervisão regulatória, trazendo informação tanto ao Estado como ao público consumidor.
No caso dinamarquês, pelo fato de o país possuir reservas consideráveis de petróleo e gás, a estratégia para a regulação do preço foi diferente. Embora esteja caindo nas últimas décadas, a produção do país foi capaz de atender a 80% de sua demanda nos últimos dois anos (2017 e 2018). Dessa forma, as empresas do setor petróleo e de energia se tornaram instrumentos importantes para regular o setor.
Depois de reestruturar a antiga estatal de petróleo, a Dong, o governo criou em 2005 uma nova empresa pública para unir todos os ativos de transmissão de eletricidade e gás, a Energinet.dk., e fez que a antiga Dong (atual Ørsted) saísse gradativamente do setor de óleo e gás e passasse a focar a geração de energia renovável. Enquanto isso, a Energinet.dk, embora se concentre na distribuição elétrica, passou a participar de um grupo de coordenação do setor de óleo e gás formado por países nórdicos, influenciando indiretamente essa atividade no país.
O passo seguinte foi realizar mudanças na forma de tributação nos processos de exploração e produção. A lógica do processo foi reduzir os impostos pagos pelas operadoras de petróleo no país e, ao mesmo tempo, criar impostos adicionais para quando houver uma alteração na faixa de preço internacional do barril de petróleo. Em números, isso significa que, caso o preço médio anual do petróleo seja superior a US$ 75 por barril, adiciona-se um imposto suplementar de 5% sobre o lucro tributável, ao passo que, se o preço exceder US$ 85 por barril, será acrescentado um imposto de 10%. Dessa forma, o objetivo do governo foi criar uma espécie de “alívio fiscal” para as empresas produtoras (para induzir a redução de custos e preços), as quais poderiam ser tributadas extraordinariamente à medida que o preço internacional do barril aumentasse, criando um colchão orçamentário para lidar com os efeitos negativos desse aumento para o consumidor final. Ou seja, diferentemente do que ocorre na Áustria e em outros países, a Dinamarca não utiliza um instrumento de curto prazo para regular o preço dos derivados; por outro lado, observa-se a existência de instrumentos de longo prazo que buscam evitar a grande volatilidade e os efeitos duradouros do valor do petróleo no mercado internacional.
Os países europeus, portanto, apresentam algumas opções viáveis para a estabilização dos preços dos combustíveis: i) na produção, taxas adicionais de imposto em um eventual aumento de preço do barril e descontos consequentes no momento de queda; ii) na distribuição, mecanismos automáticos de estabilização de preços que flexibilizem alíquotas de acordo com a variação internacional; iii) nas revendas, plataformas on-line para o consumidor acompanhar o sobe e desce dos preços em cada posto, o que estimula a concorrência e constrange a formação de cartéis.
A experiência internacional pode servir como um bom exemplo ao mundo – em especial ao Brasil – de que é possível sobreviver às oscilações do mercado de petróleo sem que o consumidor final seja prejudicado.
Matéria feita por Rafael Rodrigues da Costa é mestrando em Ciências Sociais (Unifesp), pesquisador visitante do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep); Isadora Caminha Coutinho é mestre em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS) e pes
Ref.: https://diplomatique.org.br/
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