Postado em 22/07/2019 13:42 - Edição: Marcos Sefrin
Líder indígena participa de debate no Festival Plataforma Berlin, no painel "Por favor, perturbe: Caos no Clima, Dança e Ativismo".
Hector Riveros/Divulgação Festival Plataforma Berlin.
Em outubro, uma comissão formada por treze representantes fará um giro por capitais como Berlim, Bruxelas e Paris, para falar com empresários e lideranças políticas. União Europeia e Vaticano estão no roteiro. Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) é uma das integrantes da comissão.
Cristiane Ramalho, correspondente da RFI em Berlim
A agenda ainda não está fechada. Mas o objetivo é claro: chamar a atenção da Europa para a atual política ambiental e de direitos humanos no Brasil, considerada um retrocesso pelos representantes indígenas.
“Vamos denunciar o desmatamento, as invasões de terras e a retirada de direitos dos povos indígenas sob o governo de Jair Bolsonaro”, disse à RFI a líder Sonia Guajajara, de 45 anos, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Sonia está na capital alemã para participar de um debate dentro do festival ibero-americano Plataforma Berlin. (http://www.plataformaberlin.de/)
O grupo vai tentar um encontro com Angela Merkel. “Se conseguirmos, será bem importante. Ela até já deu uma chamadinha no Bolsonaro”, diz Sonia, em referência a um comentário da primeira-ministra alemã, que às vésperas do G20 admitiu ver “com grande preocupação a atuação do governo brasileiro” na questão ambiental.
No Vaticano, os indígenas querem participar do Sínodo sobre a Amazônia, que vai reunir bispos de nove países para debater os problemas da região.
Relatório lista empresas
Festival reúne dança, performance, instalação e vídeo com artistas ibero-americanos.
Hector Riveros/Divulgação Festival Plataforma Berlin
A comissão quer ainda conversar com empresários, nesse momento em que Mercosul e Europa acabam de selar um acordo comercial.
“Queremos que eles cumpram as diretrizes previstas no acordo, que devem incluir o respeito aos direitos humanos e ambientais, já que isso nem sempre é levado em conta. Algumas empresas alegam que não sabem a origem dos produtos, mas outras fazem vista grossa mesmo”.
A ideia é explicar que eles podem “estar incentivando o desmatamento no Brasil – o que em última instância afeta as mudanças climáticas”, diz Sonia. O momento é favorável. O tema está no topo das preocupações dos alemães.
Um relatório lançado pela própria APIB, feito em parceria com a Amazon Watch, lista empresas que atuam com soja, gado e madeira nas regiões da Amazônia e do Cerrado. Acusadas de desmatamento ilegal, corrupção e trabalho escravo, elas mantêm, segundo a pesquisa, ligação com firmas europeias e da América do Norte.
A comissão quer ainda sensibilizar consumidores europeus para a importância de se evitar produtos oriundos de áreas de conflitos.
“Os europeus têm que saber que a carne exportada pelo agronegócio para cá é muitas vezes regada a sangue indígena”, diz Sonia.
Segundo a líder, a APIB representa os 305 povos indígenas brasileiros, com exceção dos 118 grupos que ainda se mantêm isolados.
Invasões preocupam
Sonia vê com preocupação o que chama de “desmantelamento das políticas públicas” durante os seis primeiros meses do novo governo.
Segundo ela, isso fragilizou ainda mais essas populações. “As invasões tiveram um aumento considerável. Com os ataques do governo contra os povos indígenas, parte da sociedade se sente respaldada para promover essas agressões, além de violência e racismo”.
Desde janeiro, diz a liderança indígena, já houve invasões em estados como Rondônia, Pará e Santa Catarina. “Eles dizem que ‘agora índio não tem vez’”.
Ainda na campanha, lembra, Bolsonaro disse que no que dependesse dele, não haveria mais demarcação de terras indígenas.
Queda de braço com o governo
Para Sonia, esse início de governo foi marcado por uma constante queda de braço com o movimento indígena.
Como no caso da FUNAI, que chegou a ser transferida para o ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, mas voltou para a Justiça.
“Conseguimos reverter, mas a FUNAI continua sem recursos e sem estrutura. O objetivo é enfraquecer nossa luta e forçar uma ‘integração’ à sociedade”.
Dentre as medidas que Sonia cita como retrocesso, está a ameaça ao atendimento nas aldeias coordenado por uma secretaria especial de Saúde Indígena, vinculada ao Ministério da Saúde.
“Ela foi criada em 2010, e garantia um atendimento multidisciplinar, preventivo. Agora querem acabar com essa estrutura, e colocá-la sob a responsabilidade dos municípios”, diz. “Eles não vão ter condições de assumir isso”.
Marcha em Brasília
Para ela, o governo aposta numa tática de “provocar conflitos para dividir”. Por exemplo, “ao fomentar o agronegócio indígena, para que eles produzam em larga escala. Isso não faz parte da nossa cultura, só vai nos desagregar.”
O corte nas universidades também preocupa. “Ele atinge diretamente os estudantes indígenas, já que 99% deles estudam hoje graças às cotas e se mantêm por meio de bolsas”. Sem esse subsídio, muitos terão que voltar para as aldeias.
Antes mesmo de voltar à Europa, Sonia estará, em agosto, à frente da primeira Marcha das Mulheres Indígenas. Ela espera reunir 2000 mil mulheres de todo o país em Brasília.
“Queremos terminar a marcha com uma audiência pública no Congresso, para discutir a luta por território, saúde e educação para os povos indígenas”.
Com pós-graduação em educação pela Universidade Federal do Maranhão, e candidata à vice-presidente pelo PSOL, na chapa de Guilherme Boulos, em 2018, Sonia não descarta uma possível candidatura nas próximas eleições para o Congresso.
Seu mote: unir a pauta indígena à causa ambiental.
Ref.: http://m.br.rfi.fr/
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