Postado em 08/05/2019 14:52 - Edição: Marcos Sefrin
Sarney Filho foi ministro do Meio Ambiente duas vezes e atualmente é secretário no Distrito Federal
MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL
O posto de ministro do Meio Ambiente, já ocupado duas vezes por Sarney Filho (PV), passou por desafios e decisões que bateram de frente com diferentes presidentes nos últimos 20 anos – mas é a primeira vez que a pasta e suas subsidiárias são regidas por um governo "contrário ao meio ambiente", segundo afirmou o ex-ministro à BBC News Brasil.
"Os ministros e ministras que assumiram deram continuidade nesta política (ambiental), com algumas mudanças pontuais. E também eram todos identificados com a causa ambiental. O que não ocorre hoje. O ministério do Meio Ambiente me parece mais uma sucursal do ministério da Agricultura", disse em entrevista por telefone.
Filho do ex-presidente José Sarney, o maranhense comandou o Meio Ambiente nos governos de Fernando Henrique Cardoso (entre os anos de 1999 e 2002) e Michel Temer (2016 ao início de 2018). Foi, portanto, o titular mais recente antes do cargo ser assumido por Ricardo Salles (Novo) no governo de Jair Bolsonaro(PSL) – no meio do caminho, houve um interino, Edson Duarte (de abril a dezembro de 2018).
Depois de não conseguir se eleger em 2018 para o Senado pelo Maranhão, Sarney Filho assumiu no início do ano a secretaria do Meio Ambiente do Distrito Federal no governo de Ibaneis Rocha (MDB). Sobre a gestão federal na área de meio ambiente, o ex-ministro repete palavras como "retrocesso" e "desmonte" para comentar decisões recentes como fusões e transferências de órgãos especializados.
O político do Partido Verde se juntará neste dia 8, inclusive, a outros ex-ministros da pasta em São Paulo para discutir "o atual contexto da política ambiental brasileira", segundo comunicado do grupo sobre a reunião.
Em entrevista à BBC News Brasil realizada no último dia 3, Sarney Filho disse ainda que, após a tragédia de Brumadinho, "se fosse ministro, teria fechado todas as atividades da Vale em Minas Gerais". Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - O novo governo traz ineditismos na gestão ambiental, como militares e policiais militares em cargos do Ministério do Meio Ambiente e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). Como avalia estas novidades?
José Sarney Filho - Não acho que a gente deva se fixar nas pessoas escolhidas. Porque o desmonte que está acontecendo na área ambiental nesse novo governo é uma política, o próprio ministro e os militares estão cumprindo determinações do governo. Os militares de certa forma poderiam ajudar mais na questão da Amazônia, no desmatamento, eles têm uma expertise boa e conhecem bastante a região.
O problema é o desmonte da política ambiental, que vinha tendo muito sucesso. O Brasil, desde 1999, tem tido uma política ambiental consistente. Os ministros e ministras que assumiram deram continuidade nesta política, com algumas mudanças pontuais. E também eram todos identificados com a causa ambiental. O que não ocorre hoje, o ministério do Meio Ambiente me parece mais uma sucursal do ministério da Agricultura.
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Plantação ao lado de área de floresta amazônica no Mato Grosso; ex-ministro destaca papel do bioma no agronegócio
O que exemplificaria este "desmonte"?
A mudança do Serviço Florestal para o ministério da Agricultura; a mudança da Agência Nacional de Águas e da secretaria nacional de Segurança Hídrica para o ministério do Desenvolvimento Regional; a retirada da Fundação Nacional do Índio (Funai) do ministério da Justiça e colocada no ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (a mudança já foi realizada mas, segundo o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, deverá ser revertida por medida provisória nos próximos dias).
Também a extinção da secretaria de Mudança do Clima e Florestas.
Isso tudo reflete a visão do governo sobre a questão ambiental. Principalmente na questão climática, eu diria que o governo adota uma política negacionista, que não acredita nas mudanças climáticas, e por isso não se preocupa em tomar providências adequadas em combatê-las. Parece que vai ser preciso uma grande catástrofe, uma tragédia, para que o governo abra os olhos. Nós já estamos começando a sentir na pele, é lógico.
A visão do governo é retrógrada, desenvolvimentista no sentido atrasado da palavra.
Tudo o que foi construído está sendo jogado fora, em que o Brasil cumpriu seus compromissos, diminuiu suas emissões e assumiu a liderança global no combate às mudanças climáticas. Tiramos o Brasil do paredão das ONGs internacionais, conseguimos fazer uma legislação que até hoje tem dado bons resultados. Tudo isso foi construído ao longo de 20 anos e, pela primeira vez nesse período, temos um governo que é contra o meio ambiente.
Tudo isso foi construído ao longo de 20 anos e, pela primeira vez nesse período, temos um governo que é contra o meio ambiente
Gestões anteriores poderiam ter protegido melhor essa estrutura?
A estrutura é montada basicamente em leis, que dependem do Congresso, e decretos, que o governo tem autonomia e competência legal para modificar.
Tenho muita esperança no Judiciário, que pode barrar essas mudanças desde que elas atentem contra nossa legislação, contra a Constituição.
Essa demanda que Bolsonaro representa, de que haveria no Brasil um excesso de Unidades de Conservação e áreas demarcadas, o que impediria o desenvolvimento econômico, pode representar uma lacuna não preenchida? Ou seja, o Brasil deixou de promover nos últimos anos um desenvolvimento sustentável e também econômico nesses lugares?
O Brasil é uma potência agrícola, é o maior exportador de produtos alimentícios. Isso quer dizer que as terras indígenas e as Unidades de Conservação não afetam a agricultura. Ao contrário. Por exemplo, você ter uma Amazônia significa muito, um potencial enorme.
Se você desmata na Amazônia, você mexe no regime de chuvas. À medida que você acaba com essa floresta, você acaba com esses serviços.
Já existem municípios no Mato Grosso que são distantes centenas de quilômetros um do outro e mostram diferenças nos resultados das safras. Lucas do Rio Verde fica na rota dos ventos do Parque Indígena do Xingu e tem duas safras no ano; outra cidade mais ao sul, Querência, fica em uma área já desmatada e tem no máximo uma safra. O próprio agronegócio já tem uma consciência bastante ampla da importância da Amazônia no regime de chuvas.
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O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles; para Sarney Filho, titular atual cumpre determinações do governo para 'desmonte' da política ambiental
Mas considerando justamente o poder econômico e a vasta e polêmica representação política do agronegócio, isso não indica na verdade que uma parcela pequena dos agricultores e empresários do setor entende os efeitos das mudanças climáticas?
Acho o seguinte... Hoje, cada vez mais as grandes empresas de agricultura estão conscientes disso (da responsabilidade ambiental). Os grandes exportadores também, eles cumprem a legislação. A questão está mais no médio e no pequeno, e mais ainda naqueles que querem levar vantagem acima da lei e dos interesses da sociedade.
O que acontece no Congresso? Desde a Constituinte (Assembleia Constituinte, no final da década de 80), esse segmento mais atrasado do agronegócio tem tido assento. Porque falam em acabar com a Reserva Legal, Áreas de Preservação Permanente... Falam em facilitar a vida daqueles que estão plantando e assim têm mais facilidade de pedir voto.
Há uma desigualdade na representatividade do agronegócio. O que há de pior, a grande maioria, está no Congresso; e os mais conscientes não têm voz.
Na Constituinte, os ruralistas começaram a se organizar para defender seus interesses. Dali em diante, eles se mobilizaram para modificar o Código Florestal.
Por que o senhor diz que os "grandes" são mais conscientes? Estes produtores não estão ligados, por exemplo, ao amplo uso de agrotóxicos acusados de causarem danos ao meio ambiente?
Agrotóxico é outra coisa (diferente do desmatamento), mas aí também estes estão sendo cobrados pelos compradores. Acho que quanto mais transparência tiver, mais vigilância haverá sobre essas áreas.
Já que o senhor falou do Código Florestal, o prazo para inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR; registro público e eletrônico que deve ser feito por proprietários e posseiros de imóveis rurais em todo o país com informações, por exemplo, sobre florestas e áreas de plantio) já foi adiado alguma vezes, inclusive na sua gestão. O senhor acha que esses adiamentos sucessivos colocam a legislação e sua aplicação em risco?
Na minha gestão, já deixamos mais de 98% das propriedades rurais cadastradas. O que não foi feito foi a validação - essa que é problemática, porque cabe aos Estados. A União cumpriu sua obrigação. Acho que está demorando, mas acredito que o mais difícil já foi feito (o cadastro).
Mais uma vez, os sucessivos adiamentos na etapa do cadastro não podem ter contribuído para essa demora?
Não acho, acho normal, foi uma ação gigantesca. Foi um cadastro em um país de dimensões continentais. Acredito que nenhum país com esse tamanho tenha feito um cadastro com essa dimensão e qualidade.
A possibilidade de uma nova legislação para o licenciamento ambiental foi uma das pautas quentes que rondou sua gestão. Mas, no final das contas, ela não avançou. Por quê?
Fizemos uma proposta moderna, boa, que desburocratizava alguns setores sem flexibilizar. No entanto, quando tínhamos chegado a um acordo com o agronegócio, houve uma quebra do combinado pelo setor, e também pelas indústrias e pelo pessoal ligado às estradas. Eles propuseram a isenção do licenciamento para várias áreas. Achei que o acordo não ia ser cumprido e então retirei meu apoio à votação.
Resultado: esses setores quiseram atropelar, não conseguimos um acordo, retiramos o apoio e não teve votação (de uma nova legislação) até hoje. Meu receio é que tudo aquilo que a gente resistiu, e por isso não teve votação, venha de novo, o que será um verdadeiro desastre. Porque licenciamento não é incentivo a desenvolvimento nem ao atraso. Licenciamento é planejamento de sustentabilidade. Então, quando você abre mão de licenciar determinados empreendimentos, você está abrindo mão de planejamento.
DOUGLAS MAGNO/AFP
Uma vaca em meio à lama após rompimento de barragem em Brumadinho; para ex-ministro, Congresso falhou ao não atualizar legislação para o setor
Como pôde existir a tragédia de Brumadinho depois de Mariana (rompimentos de barragens em Minas Gerais que ocorreram em 2019 e 2015)? O país não foi capaz de prevenir uma nova tragédia neste meio do caminho?
Quando aconteceu Mariana, eu estava no Congresso (era deputado federal). Propus a criação e fui coordenador de uma comissão externa na Câmara. Fizemos a proposta de uma nova legislação para segurança de barragens. O que aconteceu? A bancada do minério boicotou. Não foi nem para o plenário, então não avançou na parte legislativa.
Eu digo: se ela fosse aprovada, não teríamos outra Mariana.
Por mim, se fosse ministro, teria fechado todas as atividades da Vale em Minas Gerais, onde tivesse barragem.
Agora, veio Brumadinho. Foi falta de responsabilidade do Congresso que não atualizou a legislação. E também, não tenha dúvida, houve falhas gritantes no processo de licenciamento estadual. Por mim, se fosse ministro, teria fechado todas as atividades da Vale em Minas Gerais, onde tivesse barragem.
Mas a sua gestão foi posterior ao Rio Doce e não houve nenhuma ação nesse sentido, de fechar a Vale (a companhia tinha parte do controle da empresa responsável pela barragem em Mariana, a Samarco; e controlava a barragem em Brumadinho).
Não, porque quando cheguei, já tinha acontecido e as providências já tinham sido tomadas. Agora, quando vem a reincidência, aí sim que tinha que fechar. Fecharia tudo até que provassem que aquele episódio não poderia se repetir.
Brumadinho não é justamente uma prova de que as providências não foram tomadas?
Foi o que eu te disse, a legislação (para segurança de barragens) não foi atualizada e a licença foi mal dada no Estado. A Vale tem um poder político, econômico e financeiro em Minas Gerais muito acima do que seria aceitável.
O governo Bolsonaro havia indicado a intenção de retirar o Brasil do Acordo de Paris (aprovado por 195 países em 2016 para reduzir emissões de gases de efeito estufa), mas acabou recuando. O tratado ainda corre risco?
Acho que sim. Não só pelo Brasil, mas principalmente por Trump (Donald Trump, presidente dos EUA). O Trump foi o primeiro a fragilizar o Acordo de Paris. O Brasil, sob o governo Bolsonaro, também caminhou na mesma linha, mas como teve pressões importantes, principalmente do agronegócio, declarou que não vai mais (sair).
Agora, a questão não é formalmente ficar, é cumprir nossa NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, conjunto metas específicas para cada país sob o acordo). Nesse aspecto, as políticas do governo vão fragilizar nosso cumprimento, porque as nossas emissões se dão basicamente, a maior parte, por deflorestamento e uso do solo.
À medida que você relaxa a proteção da floresta, em que tenta atingir o Ibama, as Unidades de Conservação e as terras indígenas, você está dando uma sinalização de que não é importante manter os serviços ambientais. Por que elas (estas áreas de proteção) têm papel de conter desmatamento.
É isso que fragiliza: não é a formalidade de sair ou estar dentro (do acordo).
O senhor já conhecia Ricardo Salles antes de ele assumir o ministério?
Quando eu era ministro, ele foi secretário por um ano no governo Alckmin (Geraldo Alckmin, ex-governador paulista) em São Paulo. Tive algumas vezes com ele. Não sei se você já notou, não gosto de fazer análise sobre pessoas. Independentemente de ele conhecer ou não (a área), ser gentil ou não gentil, ele está lá para cumprir a determinação do governo - que é o desmonte da política ambiental.
Como está sua interlocução com o governo federal hoje como secretário?
Não deixo que qualquer desavença ou diferença interfira no meu trabalho. Sempre que for preciso, vou conversar. Agora, não sei se a receptividade vai ser boa.
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'Sempre fui uma espécie de outsider da política da minha família no Maranhão', diz Sarney Filho
A que o senhor atribui a sua não eleição para o Senado?
Sarney Filho - Primeiro, houve uma onda de renovação, entre aspas, e eu já estava há muito tempo na política. O eleitorado também não se sensibilizou com minha causa, ambiental - o Maranhão é um Estado do Nordeste governado por uma ideologia ultrapassada. De qualquer forma, fui o terceiro mais votado e liderei as pesquisas durante quase toda a eleição. Nos últimos dez dias é que houve a reviravolta.
Por que o senhor diz "renovação entre aspas"?
Como você pode falar de renovação com o governo Bolsonaro, que voltou a falar de coisas de quarenta anos atrás? É o contrário, um retrocesso.
O senhor acha que sua filiação familiar pode ter te colocado nessa classificação de uma velha política?
Há muitos anos eu sou político do Partido Verde. Então, sempre fui uma espécie de outsider da política da minha família no Maranhão. Embora eu reconheça que a maioria dos (meus) benefícios tenham sido oriundos dos governos ligados ao nosso grupo. Mas não acho que tenha sido isso que me afetou, não. Liderei as pesquisas até dez dias antes, acho que foi a onda de "pseudorrenovação" mesmo.
Matéria feita por Mariana Alvim - @marianaalvimDa BBC News Brasil em São Paulo
Ref.: https://www.bbc.com/portuguese/
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