Postado em 19/07/2018 14:49 - Edição: Bruno Wisniewski
O que eu mais sinto saudade do governo Lula nem é o crescimento econômico, as conquistas sociais, a inclusão, o reconhecimento internacional, etc, o que eu sinto saudade é que, por causa dessas coisas, nós estávamos satisfeitos de sermos quem somos, orgulhosos do Brasil. Lembra? Era um sentimento engraçado de andar por aí cheios de moral!
É muito difícil ter amor por si e desprezo pelo lugar em que se vive, e vice versa. De alguma forma, a satisfação pessoal é diretamente proporcional ao bem estar comunitário. Até entre as pessoas mais individualistas, que não terão consciência disso. Se a cidade dorme bem, você também descansa melhor. Tem menos insônia ou ansiedade, e acorda satisfeito para outro dia.
Por isso é comum que mesmo as pessoas privilegiadas em ambientes de desigualdades, frequentemente não consigam se sentir completamente realizadas e satisfeitas. Daí, gastam fortunas em shoppings, viagens e terapias (clínicas ou alternativas) e entopem-se de antidepressivos. Basta ver o fenômeno migratório da classe média pra Portugal. Acredito que não se trata (ou não somente) de desprezo pelo povo brasileiro e vira-latismo diante da Europa, mas a felicidade não flutua feito uma ilha com um mar de pobreza ao redor. A miséria é sempre triste. É feia de se ver e deprime mesmo quem não é atingido diretamente por ela.
O pior mau caráter, cujo sucesso se dê inclusive graças à exploração alheia, garanto, não poderá ser feliz. Talvez até se divirta e gargalhe por estar enganando a todos, mas se se distrair por dois segundos e observar onde está, terá desprezo por seu próprio lugar. Que incômodo esquisito! De que adianta ser rico num lugar pobre, bonito num lugar feio, saudável num lugar insalubre? Os ricos vão gastar suas fortunas sempre na Europa ou nos EUA. Comprar uma Louis Vuitton de milhares de dólares, sair da loja e dar de cara com a pobreza? A gente até entende que é desagradável mesmo.
As pessoas que colaboraram com o golpe não vão admitir nunca, mas nós éramos felizes e sabíamos. Faltava bastante e ainda não era aquilo, mas o caminho era aquele mesmo: buscar construir um Estado de bem estar social. A ideia é essa.
Diz-se que há um lugar profundo no inconsciente de todo ser humano que ainda sonha com o Jardim do Éden, a ilha de Utopia, a Idade do Ouro. Um lugar e tempo de completa realização e harmonia. Para além dos ideais políticos imediatos de cada época, todo espírito anseia essa paz porque carrega o peso da condição humana, o mistério da finitude. E aí não tem corrente ideológica que contradiga. Estamos fatalmente irmanados na dúvida e no desejo de felicidade.
O mundo competitivo, meritocrata, da salvação individual é a contra-corrente daquilo que todos, sem exceção, buscamos. A felicidade é coletiva e interdependente. Faça somente por si e estará fazendo contra si.
Nos encaminhamos para uma eleição, que pode decidir muitas coisas no país, na comunidade, mas cotidianamente há decisões a tomar, eleger critérios e posturas. Não se trata aqui do Lula ou mesmo de governos, esses vêm e vão, trata-se da construção de uma utopia possível, que vai desde a presidência até a sua poltrona.
Trata-se, enfim, de decisões maiores que a política e as suas disputas: o que faremos do nosso destino como povo? Dessa decisão depende inexoravelmente a felicidade de cada um.
Fortaleza, 19 de Julho de 2018
@papillonbeatrice
(imagem "A Luta entre o Carnaval e a Quaresma" de Pieter Bruegel)
Ref.: https://jornalggn.com.br
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