Postado em 26/09/2019 15:47 - Edição: Marcos Sefrin
O Simca Chambord foi um dos carros mais carismáticos do Brasil, angariou uma vasta legião de admiradores, mas também de muitos críticos, embora o fosse em apenas em um aspecto: seu motor V-8 carecer de potência suficiente para o porte do belo sedã.
A subsidiária francesa da Ford Motor Company, a Ford SAF (Ford Societé Anonyme Française) começou a fabricar o Ford Vedette em 1948. O carro era um projeto americano destinado aos novos tempos, de paz, uma vez cessada a Segunda Guerra Mundial com a rendição do Japão em 2 de setembro de 1945. Mas o modelo, assemelhado ao Mercury a ser lançado em 1949, foi considerado inadequado aos anseios do consumidor dos EUA por suas dimensões compactas. Mas a Ford, insatisfeita com os resultados da filial francesa, acabou vendendo-a para a Simca (Societé Industrielle de Mécanique et Carrosserie Automobile) em 1954, que justamente procurava aumentar sua capacidade de produção. Quase em seguida o Vedette passou ser o Simca Vedette. Com o fim da Ford SAF, a fabricante americana estabeleceu outra filial lá, a Ford France, mas apenas para ser o importador oficial dos Fords Anglia (inglês) e Taunus (alemão).
O Vedette trazia duas características notáveis. Uma, o motor, um V-8 de válvulas laterais (o flathead) que existiu nos EUA em 1937, de 136 pol³/2.228 cm³ e 60 hp (60,8 cv), que logo passou a 2.351 cm³ com aumento do curso dos pistões de 81 para 85 mm, mais aumento da taxa de compressão de 6,6:1 para 7,5:1. Outra era a inauguração de um novo tipo de suspensão dianteira independente de nome McPherson, patente do engenheiro da GM Earle S. McPherson, para o que a Ford certamente precisou pagar royalties. A suspensão traseira, contudo, era a tradicional por eixo rígido com dois feixes de molas semielípticas longitudinais. Além dessas duas novidades a construção do Vedette era monobloco.
A Simca logo tratou de desenvolver novos projetos, incluindo um remodelado sedã inspirado nos carrões americanos, com muitos cromados e a traseira com estilo rabo-de-peixe. Os novos carros se tornaram o Trianon, mais popular, o Versailles, linha intermediaria e o Régence, de luxo. Em 1957 surgiu uma nova estilização em dois novos modelos, o Beaulieu, mais simples e o Chambord, de luxo. A perua Marly que havia sido lançada um ano antes, em 1956, também carregou a nova reestilização, a chamativa pintura bicolor da carroceria e a enorme grade dianteira em aço inoxidável com faróis de longo alcance nas laterais. O motor V-8 Ford foi renomeado Aquilon, nome de um vento frio do Norte.
Simca Beaulieu
Aí começa a história da Simca no Brasil, em 5 de maio de 1958 com sua fábrica em São Bernardo do Campo, bem em frente à Volkswagen. Como curiosidade, a Simca era para ser em Minas Gerais, conforme acordo firmado com o governo Juscelino Kubitschek; porém, a história é tão complicada que resolvi não detalhá-la aqui e, para tanto, recomendo a leitura desta página do excelente portal Lexicar, que relata todos os lances da chegada da Simca ao Brasil. Em resumo, a fábrica em São Bernardo do Campo era a antiga Varam Motores que montava os carros Hudson e Nash em suas instalações industriais e que acabou sendo adquirida pela Simca e adaptada para a produção do moderno Chambord.
Oficialmente lançados em janeiro de 1959, somente em março saíram da fábrica paulista os primeiros Simca Chambord, com o reduzido índice de nacionalização de 25% e a maioria dos componentes importados da França, sendo produzidas 1.252 unidades ao final do ano.
Simca Chambord, evento na fábrica de São Bernardo do Campo
Simca Chambord, na fábrica São Bernardo do Campo; ao fundo, no outro lado da Via Anchieta, está a Volkswagen
O Simca Chambord, com a traseira em estilo rabo-de-peixe, foi posicionando como carro de luxo para seis pessoas e tinha como principais características a carroceria monobloco de quatro portas, o motor dianteiro V-8 de 2.351 cm³ e 84 cv (potência SAE bruta), a suspensão dianteira McPherson, a tração traseira com eixo rígido e molas semi-elípticas, o câmbio de três marchas — primeira não sincronizada— com alavanca na coluna de direção que possibilitava o banco dianteiro inteiriço, os instrumentos com escala horizontal, iluminação no porta-luvas, porta-malas e compartimento do motor, lavador do para-brisa, retorno automático do indicador de direção (sistema temporizado, térmico!), espelho no para-sol direito, iluminação do painel com controle de intensidade, diversas luzes indicativas e acendedor de cigarros até para os passageiros de trás.
As duas imagens do Simca Chambord abaixo são raras curiosidades, pois foram obtidas na fábrica da Willys-Overland do Brasil em São Bernardo do Campo. A razão de servir como comparativo em eventos de marketing e de engenharia já era comum na época e continua sendo até hoje nas fábricas de automóveis.
Simca Chambord novo na fábrica da Willys-Overland do Brasil em São Bernardo do Campo
Simca Chambord na fábrica da Willys-Overland do Brasil em São Bernardo do Campo; veja a placa de velocidade permitida, 20 km/h, e a indicação para o departamento de peças e acessórios
Os pontos elogiáveis do veículo, além do seu conforto, espaço interno e volume do porta-malas (500 litros), era a sua estabilidade direcional e em curva e seus freios a tambor “Twimplex” com dois cilindros no conjunto dianteiro para as duas sapatas serem primárias, portanto autoenergizantes, muito eficientes para a época. O ponto negativo do Simca Chambord era o seu motor Aquilon V-8 (84 cv SAE bruta), com válvulas no bloco, fraco e ultrapassado. Com virabrequim apoiado em três mancais, cilindros de diâmetro bem menor que o curso (66,1 x 85,7 mm), pesado e com baixo rendimento, foi criticado pela imprensa e motivo de muitas reclamações por parte dos consumidores, que não aceitavam um carro com tantas características boas sem força, incompatível com a sua classe.
E foi por este motivo que o Simca Chambord foi apelidado — pejorativa e injustamente — de “Belo Antônio”, elegante, bonito, simpático, porém sem desempenho, usando o título de filme italiano homônimo no qual o personagem principal tinha todos os atributos de beleza masculina menos potência sexual.
Com aceleração de 0-100 em 26,7 segundos e velocidade máxima de 135 km/h, o Chambord realmente não agradava boa parte do mercado, embora esse desempenho não fosse tão aquém do havia no seu tempo. Seria aproximadamente o mesmo do Aero-Willys e inferior apenas ao do FNM 2000 JK, ambos lançados no ano seguinte, lembrando que este tinha temperamento mais para o esportivo.
Outro problema, que agravava também o descontentamento do consumidor, foi devido a supressão da válvula termostática do sistema de arrefecimento do motor, causando a extensão de seu período de aquecimento para mais de cinco minutos, além de não estabilizar a temperatura de trabalho. Realmente inadmissível, a retirada da válvula termostática do projeto original, por motivo de redução de custos.
Em 30 de agosto de 1960 foi lançado o luxuoso Présidence, com o estepe instalado externamente e com calotas raiadas. Tinha ar-condicionado, estofamento em couro, rádio transistorizado com dois alto-falantes, minibar para o banco traseiro, descansa-braço central nos dois bancos, tapete de lã e bolsas para revistas e jornais no encosto do banco dianteiro. O motor ganhava 10 cv, passando a 94 cv com o emprego de dois carburadores duplos e maior taxa de compressão.
Simca Présidence, evento de lançamento
Simca Présidence, luxuoso e com o estepe no lado externo do porta-malas
E como tentativa de interromper a fase do incômodo apelido, a Simca começou a dar ênfase cada vez maior à durabilidade de seus veículos, promovendo eventos de resistência e também participando de corridas, com intensa atividade de seu Departamento de Competições, sob o comando de Ciro Cayres e do veterano Chico Landi, inundando a imprensa com várias notícias promissoras. Exemplo foi o evento de resistência a que um Simca Chambord foi submetido no trecho de estrada de 224 quilômetros da então BR-7, entre Paracatu e Brasília. Embora tenha sofrido um acidente, terminou a prova com louvor, perfazendo 120.048 km em 44 dias sem parar, à média global de 113,118 km/h.
Simca Chambord exposto no Salão do Automóvel, após o teste de durabilidade
Ainda em 1961, já com 85% de nacionalização em peso, a linha passou a se chamar Três Andorinhas e consistia do Chambord, que era o mais simples, e do Présidence , o mais luxuoso. Os motores tiveram a cilindrada aumentada para 2.414 cm³ e passaram a desenvolver 90 cv no Chambord e 105 cv no Présidence. Também neste ano toda a linha passou a ter a primeira marcha sincronizada, o câmbio sendo chamado de 3-Synchros, com o emblema de três andorinhas nos para-lamas dianteiros indicando a importante mudança.
Em 1962 chegava o Simca Rallye, o primeiro sedã esportivado do Brasil, com o mesmo mot0r de 2.414 cm³ e 105 cv do Présidence e detalhes diferenciados na carroceria, como as duas tomadas de ar no capô. Uma novidade era o ajuste do avanço inicial de ignição de bordo, que existia no modelo francês, um mecanismo interessante que permitia ao motorista alterar o avanço de ignição inicial no distribuidor ajustando-o conforme a gasolina no tanque, comum (“amarela”) ou premium (“azul”), ou a altitude, por exemplo.
Essa regulagem manual era por meio de uma pequena alavanca localizada no painel, ao lado do rádio, ligada a um cabo de aço que levava seu movimento ao prato móvel do distribuidor. Havia uma escala dividida em amarela e azul — referente à gasolina no tanque — que era também graduada em altitude. Assim, por exemplo, saindo de São Paulo para Santos podia-se mudar a regulagem para zero, correspondente ao nível do mar, voltando a ‘700’ no retorno a São Paulo. Mas havia uma justificativa — velada — para o dispositivo: a octanagem da gasolina ser muito variável por todo o país naquela época. O útil sistema acabaria sendo estendido a todas as versões.
Simca Chambord, as lindas meninas e o presidencial Palácio da Alvorada na recém-inaugurada nova capital do Brasil
Em 1963 mais um evento importante para a Simca do Brasil, o lançamento da perua Jangada, derivada da francesa Marly. O III Salão do Automóvel de São Paulo mostrou a nova perua com toda a sua elegância e conforto. Espaçosa, com banco traseiro totalmente rebatível e acesso amplo ao compartimento de carga por duas portas de abertura horizontal, ainda dispunha de um bagageiro no teto e também de dois pequenos bancos escamoteáveis adicionais no compartimento de carga. Com comprimento 200 mm maior que o sedã, permitia acomodar 1.800 litros de bagagem com o banco traseiro rebatido.
Perua Simca Jangada, em toda a sua imponência no III Salão do Automóvel de São Paulo, era realmente era um belo veículo
O Tufão e o Super Tufão chegaram em 1964, substituindo a linha Três Andorinhas, com os mesmos modelos porém acrescidos de uma nova configuração, espartana, o Alvorada, que mais tarde foi substituído pelo Profissional, ainda mais depenado. O Alvorada era basicamente um Chambord sem frisos e ornamentos externos, produzido apenas nas cores amarelo ou cinza. O acabamento interior com materiais de qualidade inferior, com portas revestidas de uma espécie de papelão e com para-sol apenas para o motorista. O painel de instrumentos era despojado, sem itens como relógio, hodômetro parcial, controles de entrada de ar, cinzeiros e acendedor de cigarros, e não havia iluminação interna e nem lavador do para-brisa; os faróis de longo alcance foram suprimidos. O Profissional, lançado em 1965, era ainda mais minimalista que o Alvorada, para atender ao plano do governo de vender automóveis realmente populares, financiados a juros baixos através da Caixa Econômica Federal.
O Tufão mantinha a cilindrada de 2.414 cm³, mas com taxa de compressão elevada para 8:1 a potência subia para 100 cv, enquanto no Super Tufão a cilindrada aumentava para 2.515 cm³ e a potência chegava a 112 cv. Ao mesmo tempo o tanque ficava maior, 85 litros ante 55 litros. E nesse mesmo ano a carroceria recebia ligeira modificação, passando o teto a ser mais reto e o vidro traseiro mais amplo.
Em 1966, com motorização bem mais potente, foi lançada a nova linha Emi-Sul, que dividiu espaço com o Tufão na gama de opções da Simca, mantendo os mesmos modelos anteriores.
Talvez a mais importante novidade do Simca Chambord em sua vida no Brasil tenha sido o motor Emi-Sul, que com válvulas no cabeçote — de alumínio — e câmaras de combustão hemisféricas atingia potência significativamente maior que seus antecessores de 84, 90, 94, 105 e 112 cv, chegando a 140 cv, mesmo deslocando 2.414 cm³. O motor Emi- Sul era assim denominado por se tratar do primeiro do hemisfério sul com câmaras de combustão hemisféricas.
Com esse motor o desempenho do Chambord e do Rallye passava a ser “de gente grande”, pois acelerava de 0 a 100 km/h em 16 segundos e ultrapassava 160 km/h.
O motor Emi-Sul contava também com ignição transistorizada (sem platinados, portanto) da Bendix Corporation e sistema de ventilação positiva dos vapores de óleo do cárter, por meio de sistema recuperador nas tampas válvulas que os conduzia ao filtro de ar.
Motor Emi-Sul em corte, mostrando os pistões de cabeça convexa (3), o sistema de ventilação positiva do cárter (11) e o comando de avanço inicial do distribuidor (10)
Painel do Simca Chambord mostrando a alavanca de controle do avanço da ignição ao lado do rádio; note também os instrumentos, nada era circular, nem o relógio, e veja os pedais de freio e embreagem suspensos
Todavia, o crescente aumento da potência agravou também os problemas de durabilidade e quebra dos motores, que padeciam de um projeto marginal com somente três mancais de apoio do virabrequim, alta velocidade dos pistões e lubrificação pouco eficiente, principalmente na base dos cilindros. O óleo lubrificante do motor aquecia tanto que nem a adoção de radiador conseguiu resolver totalmente o problema. O arrefecimento do motor também se mostrava insuficiente e o motor padecia de forte tendência ao superaquecimento.
O motor Emi-Sul era muito vistoso e agregou impressão de modernidade do Simca
E mesmo com vários percalços o Simca Chambord fez a sua história. Foi até coadjuvante na série “O Vigilante Rodoviário”, que começou a ser apresentada em 1961 na TV Tupi de São Paulo. Era a história do policial rodoviário Carlos (Carlos Miranda) que patrulhava as estradas de São Paulo a bordo de um Simca Chambord ou montado em sua motocicleta Harley-Davidson, tendo como companheiro seu fiel amigo Lobo, um cão pastor alemão. Na realidade, o primeiro herói nunca se esquece, como foi o caso.
Cartaz publicitário da exitosa série “O Vigilante Rodoviário”
O Simca Chambord, Lobo e o vigilante
O ator Carlos Miranda absorveu tanto o papel que acabou entrando para Polícia Militar do Estado de São Paulo para se tornar um policial “de verdade”, num dos poucos casos de a vida imitar a arte, e não o contrário. Aposentou-se na profissão que abraçou e hoje se dedica a dar palestras, sendo muito querido e calorosamente recebido onde quer que apareça.
O Chambord foi também reverenciado em canção da banda brasileira de rock “Camisa de Vênus”, que fez uma homenagem ao veículo:
Um dia meu pai chegou em casa, nos idos de 63 e da porta ele gritou orgulhoso:
Agora chegou nossa vez! Eu vou ser o maior, comprei um Simca Chambord
O inverno veio impedir o meu namoro no jardim
Mas a gente fugia de noite numa fissura que não tinha fim, na garagem da vovó tinha o banco do Simca Chambord
E no caminho da escola eu ia tão contente, pois não tinha nenhum carro que fosse em minha frente , nem Gordini, nem Ford , o bom era o Simca Chambord
E assim continuava…
E pouco antes de a Simca completar seu 50.000º veículo produzido no país, em agosto de 1967 a Chrysler Corporation concretizou a compra de 92% das ações da empresa. A Simca do Brasil deixava de existir e nascia a Chrysler do Brasil, tema para uma próxima matéria.
Hoje o elogio vai para Volkswagen, que adquiriu a Chrysler com toda a sua tecnologia e soube aproveitá-la devidamente, com relevância no segmento dos pesados.
Matéria feita por Carlos Meccia dia 14/06/2016
Ref.: https://www.autoentusiastas.com.br/
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