Postado em 04/08/2019 13:45 - Edição: Bruno Wisniewski
Palestras de evento realizado na Escócia abordaram temas como a distribuição de riqueza
O professor David Caroll, como aparece no documentário "The Great Hack" Foto: Netflix
O TEDSummit, uma das conferências mais influentes do mundo, não decepcionou este ano. Algumas centenas de pessoas estavam em Edimburgo, na Escócia, no final de julho, mas milhares já viram e outros tantos ainda irão ver em vídeos online quem se apresentou nos palcos do evento.
Uma das discussões que prevaleceram no evento foi a sobre a necessidade de mudarmos a narrativa do mundo dos negócios — uma linguagem que toda a humanidade entende. Assim como a frase famosa de Milton Friedman de que “os negócios dos negócios são os negócios” já foi para o buraco, muitos presentes disseram. A ideia de que o progresso econômico só existe da vontade egoísta do indivíduo (Adam Smith) também foi questionada. O jornalista George Monbiot, colunista do Guardian, fez uma fala sobre isso no TEDSummit na Escócia e já está disponível online.
O jornalista George Monbiot Foto: Jeremy Sutton-Hibbert / Getty Images
Monbiot já começa sua fala perguntando o quanto as pessoas se sentem presas em um modelo econômico falido, que está destruindo nosso mundo e ameaçando a vida de nossos descendentes. Um modelo que exclui bilhões de pessoas e faz uma fração de pessoas extremamente ricas, que separa as pessoas entre vencedores e perdedores e culpa os perdedores por sua miséria. “Bem-vindo ao neoliberalismo, a doutrina zumbi que parece nunca morrer, apesar de ser desacreditada.” Monbiot segue dizendo que o neoliberalismo sobreviveu à crise de 2008, aumentou a competição entre as pessoas mas ainda assim domina nossas vidas.
E qual seria a próxima história? Segundo Monbiot, nos últimos anos uma série de estudos em diferentes campos da ciência, como antropologia, psicologia, neurociência e biologia evolucionária mostram algo fascinante: “os seres humanos têm uma grande capacidade para o altruísmo. Não se trata de negar a ganância e o egoísmo que sem dúvida existe na espécie humana, mas na maioria das pessoas estes não são os valores dominantes. E nós somos extremamente cooperativos. Sobrevivemos nas savanas africanas apesar de sermos muitos mais fracos e lentos que a maioria de nossos predadores graças a uma imensa habilidade para se ajudar mutuamente.
Esta necessidade de cooperação está registrada em nossas mentes por meio da seleção natural. São questões centrais de nossa humanidade: nosso fascinante altruísmo e cooperação. “Nós somos uma sociedade de altruístas, governados por psicopatas”, disse Monbiot na sua fala e foi aplaudido com intensidade. E sugeriu que podemos criar uma economia ao redor dos commons , sobre recursos compartilhados em comunidade para o benefício de todos, conceito cunhado pela primeira mulher a ganhar um prêmio Nobel de Economia no mundo, Elinor Ostrom. Segundo Monbiot, toda história política tem a ver com uma busca por pertencimento e comunidade, mesmo entre fascistas. Foi um libelo pela vida em comunidade e pela governança baseada em valores que aproximam as pessoas.
Monbiot foi seguido no palco por Nick Hanauer, um empreendedor bilionário americano. Hanauer também dirigiu sua palestra contra as ideias neoliberais. "Houve um tempo em que a economia trabalhou bem para o bem público. Porém, na era neoliberal, trabalhou apenas bem para corporações e indivíduos e isso criou um problema”, disse Hanauer para em seguida trazer pontos mais polêmicos. Para ele, no neoliberalismo não se pode falar em impostos para ricos, em regular corporações poderosas ou aumentar os salários dos trabalhadores, porque aumentar impostos sempre mata o crescimento econômico, qualquer regulação é ineficiente e aumentar salários sempre é ruim para os empregos.
Nos últimos 30 anos, um estudo do Federal Reserve mostrou que nos Estados Unidos os 1% mais ricos ficaram 21 trilhões de dólares mais ricos e os 50% da parte de baixo da pirâmide da riqueza ficaram 900 bilhões de reais mais pobres. Um padrão que se repete pelo mundo. “Enquanto isso, a única resposta continua sendo mais neoliberalismo e globalização, o que só tem aumentado a crise financeira e política. Não é o capital que produz crescimento, mas as pessoas. Não é o interesse egoísta que produz bem público, mas a reciprocidade. Não é competição que produz prosperidade, mas a cooperação.” Como Monbiot, Hanauer também citou estudos recentes definindo a humanidade como altamente cooperativa, focada na reciprocidade e intuitivamente moral.
O economista Raghuram Rajan, em 2017 Foto: Mohd Zakir / Hindustan Times via Getty Images
O argumento foi reforçado por Raghuram Rajan, um dos economistas mais respeitados do mundo, professor na Universidade de Chicago, ex-economista chefe do FMI . Em 2005, ele antecipou a crise financeira de 2008-2009. Este ano lançou um livro “The Third Pillar”, no qual argumenta que as comunidades são tão importantes quanto o Estado e o Mercado. Ele trouxe a expressão "localismo inclusivo" para dar às comunidades as ferramentas que precisam para dar a volta por cima em momentos importantes e também se organizarem para prevenir discriminação e corrupção. “Quando os líderes locais se apresentam, os cidadão se tornam ativos, a comunidade recebe recursos e por meio de incentivos econômicos, bairros podem prosperar e reconstruir o tecido social.” Rajan deu o exemplo da má-sucedida tentativa da Amazon se instalar no Queens, em Nova York. A comunidade rejeitou porque possivelmente lá não haveria uma capacidade instalada de trabalhadores. Neste caso, viriam pessoas de fora, aumentando os preços da região e afastando os moradores locais. Foi um exemplo da capacidade de reação da comunidade. Também não pegou bem que uma das maiores empresas do mundo iria receber isenção fiscal para se instalar no Queens quando não precisaria exatamente disso. Ser uma empresa poderosa já não é o suficiente para fazer o que quer.
A curadoria do evento deixou claro que há um alerta para que as coisas mudem no mundo — e rápido.
Boa parte das palestra vieram na linha de mostrar possibilidades de sair do ciclo vicioso econômico que acelera as desigualdades.
Outro grande momento do evento foi a preview do documentário The Great Hack , sobre o escândalo do Facebook e Cambridge Analytica, antes de estar disponível na Netflix. A jornalista que revelou os escândalos em primeira mão, Carole Dwadalladr, foi entrevistada no palco pelo curador global do TED, Bruno Giussani. O poder das gigantes de mídia, principalmente Facebook e Twitter, foi assunto recorrente no moderno Edinburgh International Conference Centre. É crescente a preocupação com o poder cada vez mais concentrado nas mãos de poucas empresas.
O ativista Eli Pariser, um dos fundadores da Avaaz, que organiza movimentos da sociedade civil online, também foi uma das sensações deste ano. Pariser, autor do livro “Filter Bubble", sobre como as pessoas criam suas próprias realidades em bolhas a partir de suas escolhas na internet, fez uma das falas mais provocadores e interessantes da conferência. Segundo ele, um grande problema que temos hoje nas redes sociais é que elas são ambientes muito desorganizados, quase soltos.
Para Pariser, as redes sociais lembram a Nova York da década de 70, cheia de espaços segregados, com criminosos e vândalos andando livremente num espaço de inovação e criação de novas ideias. Então, vem a provocação: e se o design das redes sociais fosse inspirado no jeito em que desenhamos cidades? Hoje, as redes sociais são uma espécie de faroeste. A ideia seria replicar as regras que existem no mundo offline para o mundo online. Segundo ele, as pessoas querem limites porque isso é importante para a convivência. E em momentos civilizatórios em que estes limites estão nublados — como agora — surge uma brecha para o autoritarismo. Nesta hora, ele mostrou uma foto de Trump ao lado de Bolsonaro.
Matéria feita por Rodrigo Vieira da Cunha, de Edimburgo 02/08/2019 - 11:47
Ref.: https://epoca.globo.com/
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