Postado em 29/01/2019 16:03 - Edição: Bruno Wisniewski
Gil Castello Branco, do Contas Abertas, e outras entidades criticam mudanças em Lei de Acesso à Informação que ampliou poder de servidores para classificar documentos
O vice-presidente e presidente em exercício, Hamilton Mourão.
Por meio de um decreto publicado nesta quinta-feira no Diário Oficial da União, o governo de Jair Bolsonaro mudou a regulamentação da Lei de Acesso à Informação (LAI), para permitir que cargos comissionados —muitos sem vínculo permanente com a administração pública— possam classificar informações oficiais com o grau máximo de sigilo: de 25 anos (dados ultrassecretos) ou 15 anos (dados secretos). Na prática, o documento, assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, em exercício da Presidência devido à viagem de Bolsonaro ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, ampliará o número de documentos sigilosos, algo criticado pelas entidades e especialistas no tema.
"O decreto, tal como está redigido, prejudica a transparência, o controle social das instituições públicas. O sigilo deveria ser exceção", afirma Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, especializada em monitorar gastos públicos. Em vigor desde 2012, quando foi assinado por Dilma Rousseff, a LAI só permitia, até então, que o presidente, o vice-presidente, ministros e comandantes das Forças Armadas classificassem dados sigilosos. "As entidades de transparência participamos dos debates antes da criação da lei e um dos nossos pedidos era justamente que o mínimo de pessoas tivesse o poder de classificar essas informações", conta Castello Branco, que considera "lamentável" que a sociedade civil não tenha sido consultada antes da assinatura do decreto.
A decisão também surpreendeu Manoel Galdino, presidente da Transparência Brasil e membro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da Controladoria Geral da União (CGU), que considera o decreto um "retrocesso". "Justamente essa medida foi tomada de modo nada transparente. A sociedade não foi informada, o conselho também não".
Na última reunião do Conselho, realizada no dia 12 de dezembro de 2018, o ministro da CGU, Wagner do Rosário, elogiou o órgão e disse que o Governo levaria propostas de alterações na LAI para serem debatidas pelo Conselho. Em fala registrada na ata da reunião, ele fala em mudanças na lei, mas sem retirada de direitos: "Devem ser propostas algumas mudanças na LAI, mas não será nada que retire qualquer direito. São somente alguns prazos de recurso e alguns outros detalhes, que serão apresentados na próxima reunião". O próximo encontro do órgão está previsto para março. "Se a CGU foi ouvida e participou das alterações, é ainda mais grave, já que esse órgão deveria ser o bastião do zelo pela transparência", critica Castello Branco.
Na quinta-feira dia 25, o ministro ativou uma conta no Twitter para "reafirmar o compromisso com a transparência pública" e com a garantia do "direito constitucional de acesso à informação". "Afirmo a vocês que não procede a alegação de que alterações relativas à classificação de informações trariam efeitos nocivos à LAI, pois, pelo contrário, as mudanças propostas têm como objetivo simplificar e desburocratizar a atuação do Estado", escreveu.
O discurso de Rosário vai no mesmo sentido do de Mourão, que chegou a dizer que o decreto melhorará o acesso aos dados públicos. O vice-presidente se contradisse esta tarde, no entanto, ao afirmar que "só ministros" poderão tornar documentos ultrassecretos, acrescentando que estes são "raríssimos no Brasil".
Esclareço ainda que essas mudanças são fruto de intensa discussão, entre a CGU e diversos atores, dentre eles o Gabinete de Segurança Institucional, o que evidencia a atuação integrada do Governo Federal na busca do aperfeiçoamento dos mecanismos de transparência pública.
58 pessoas estão falando sobre isso
Pedidos de revogação
Organizações como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Transparência Internacional também criticam o decreto, que consideram "esquisito" e "bastante prejudicial". Uma das preocupações das entidades é que não há critérios claros para determinar que tipo de informação pode representar um risco à sociedade ou ao Estado e que deveria ser, portanto, sigilosa. Ao ampliar o leque de servidores para escalões mais baixos, os especialistas temem que haja menos uniformidade nesse processo e que, consequentemente, levem a um "uso infundado e exagerado desse instrumento".
"Além de ser um instrumento efetivo de controle, a LAI marcou uma mudança de cultura no Brasil, iniciando um novo entendimento sobre a relação entre Estado e sociedade. Seu maior avanço foi a compreensão de que acesso à informação pública é um direito do cidadão. Portanto, qualquer medida restritiva de direito deve ser excepcional, criteriosa e de alçada superior", afirma, em nota, a Transparência Internacional Brasil. "O próximo passo que daremos como organizações da sociedade civil é pressionar para que esse decreto seja revogado", afirma Gil Castello Branco.
Autor do projeto que resultou na LAI, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT) já anunciou que apresentará, no primeiro dia de legislatura (1º de fevereiro), um decreto legislativo para revogar a medida assinada por Mourão. Em nota, Lopes afirma que o sigilo imposto “fere a alma da transparência no serviço público, o enfrentamento à corrupção e a democracia brasileira”. Já o PSOL anunciou que vai ao Supremo Tribunal Federal contra o decreto.
Materia feita por JOANA OLIVEIRA em São Paulo 24 JAN 2019 - 23:10 BRST - FOTO ADRIANO MACHADO REUTERS
Ref.: https://brasil.elpais.com/brasil/
Ocorreu um erro de reconhecimento de sua tela. Atualize a página.