Postado em 22/05/2019 10:03 - Edição: Marcos Sefrin
Comer luz do sol tem futuro. Comer petróleo e minerais de fosfato como fazemos hoje, quer dizer, consumir uma riqueza mineral que desperdiçamos e que está rapidamente se esgotando, é radicalmente insustentável”,
Escrito por Jorge Riechmann Fernández, professor de filosofia moral e política na Universidade Autônoma de Madri, em artigo publicado por Rebelión, 20-05-2019. A tradução é do Cepat.
Eis artigo.
Em apenas alguns séculos a partir da Revolução Industrial, a população humana se multiplicou por oito. Desde 1800, cresceu de cerca de 900 milhões de seres humanos para 7,6 bilhões, a caminho dos oito bilhões.
A maior parte dessa enorme expansão demográfica ocorreu durante o período que devemos, sem dúvida, chamar de Grande Aceleração, o pós-guerra da Segunda Guerra Mundial (1939-1945): ainda no tempo dos meus avós, por volta de 1930, povoavam o planeta Terra apenas 2 bilhões de seres humanos.
Essa enorme humanidade só foi possível graças à agricultura industrializada que, com raízes no século XIX, foi desenvolvida especialmente a partir de 1920-1930. Supôs a eliminação progressiva do campesinato, o assalariamento das e dos agricultores, o uso de fertilizantes sintéticos e sementes híbridas (e depois sementes transgênicas), a mecanização do trabalho no campo, grandes monoculturas, a irrigação de enormes superfícies, os sistemas de distribuição de longa distância e os oligopólios agroalimentares. Um modelo que, se tivéssemos que avaliá-lo apenas em termos de produção atual, teria que ser considerado bem-sucedido. Só tem um pequeno problema: é radicalmente insustentável. Estamos criando e criando gado como se não houvesse um amanhã.
Agricultura alheia à natureza
Devemos interpretar a Revolução Industrial capitalista através de duas dinâmicas-chave: a fratura metabólica (na troca dessas sociedades com a natureza) e a implementação de um dispositivo de crescimento fóssil (acumulação capitalista baseada em combustíveis fósseis) que conduz inexoravelmente a extrapolar os limites biofísicos do planeta. Estas são as duas questões-chaves para a "armadilha do progresso" (para usar a expressão do escritor Ronald Wright) em que nos encontramos: fratura metabólica e extrapolação.
O professor Joaquim Sempere, em seu livro Las cenizas de Prometeos (2018), propõe distinguir entre três componentes da fratura metabólica: energia (combustíveis fósseis), materiais (uso intensivo da riqueza mineral da crosta terrestre que leva ao extrativismo) e agricultura. Esta última é o que mais nos interessa agora.
As formas de vida baseadas na colheita, forrageamento e caça, bem como na agricultura camponesa, constituíram comunidades humanas em simbiose com a natureza que prosperaram aproveitando os frutos da fotossíntese - o que não significa que não tivessem impactos apreciáveis sobre a biosfera.
A fratura metabólica rompe essa situação. São formadas sociedades industriais que são essencialmente sociedades mineradoras, já não mais dependentes da luz solar e da fotossíntese, mas de recursos do subsolo escassos e esgotáveis. O impacto dessas sociedades na biosfera também cresce exponencialmente (é por isso que estamos debatendo hoje sobre o Antropoceno).
Rumo à intensificação agropecuária
A nova agronomia do século XIX, pela mão do químico Justus von Liebig e outros, primeiro descobre e depois aperfeiçoa a fertilização mineral das plantas. Após a Primeira Guerra Mundial, o processo Haber-Bosch de obtenção de nitratos inaugura uma era na qual os alimentos podem ser produzidos com uma intensidade previamente desconhecida.
A intensificação agrária também incorpora produtos biocidas de síntese, cujo emblema - já após a Segunda Guerra Mundial - é o DDT. Um composto inseticida que inaugura toda uma fase de guerra química contra as pragas e as chamadas "ervas daninhas" (mas ambas são, acima de tudo, sintoma de agrossistemas muito simplificados e desequilibrados).
Além disso, a produção agrícola cresce enormemente em quantidade. Assim, falamos de uma revolução verde, especialmente quando os países do Sul assumem a agricultura industrial. Embora também aumente o seu impacto nos ecossistemas dos quais o nosso futuro depende (não podemos deixar de enfatizar que somos ecologicamente dependentes e interdependentes).
Temos, em suma, uma grande intensificação agrícola no coração da Grande Aceleração Capitalista que se desenrola nas últimas décadas.
Um modelo frágil e insustentável
As bases desse sistema de produção de alimentos, fibras e outros bens são extremamente frágeis:
Evolução da produção mundial de fosforito (Fonte: Patrick Déry / Boletim Energético)
Comer luz do sol tem futuro. Comer petróleo e minerais de fosfato como fazemos hoje, quer dizer, consumir uma riqueza mineral que desperdiçamos e que está rapidamente se esgotando, é radicalmente insustentável.
"Não há forma conhecida de alimentar uma população de 10 bilhões de pessoas", diz Stephen Emmott. Não dentro da atual ordem socioeconômica, mas sim, sem dúvida, com agroecologia, soberania alimentar, conservação da biodiversidade natural eagrícola, regeneração de solos e basicamente dietas vegetarianas.
Em suma, com uma agricultura baseada na diversidade em todos os níveis, recuperando a simbiose com a natureza. Mas, é claro, isso exige mudar o modelo de produção e as formas de consumo. Mudar completamente ... "Produzir alimentos, ciência e dignidade", pedia Kléber Ramírez.
Mas, ainda seguimos presos ao fetichismo da mercadoria, acumulação de capital e autoenganos ancorados na tecnociência. Nossas sociedades, hoje em dia, seguem de forma majoritária preferindo ignorar essas questões existenciais onde jogamos, literalmente, o ser e o não-ser da vida civilizada. E talvez da própria espécie humana.
Ref.: http://www.ihu.unisinos.br/
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