Postado em 23/12/2019 14:42 - Edição: Marcos Sefrin
Atentem para as reformas administrativas no âmbito estadual e municipal, que estão sendo aprovadas silenciosamente, e constatem o que estou falando
Estou na carreira pública há vinte e seis anos. Foi aquela trilha pós-Constituição de 1988, egresso da classe média baixa, conclui universidade particular, fiz concurso público e pude ter um emprego com alguma possibilidade de planejamento de vida.
Nos dias de hoje chamam isso de privilégio.
Mas não vou falar agora sobre a ladainha ultraliberal que segue corroendo o cérebro do cidadão comum, o ponto é outro.
Como disse, são duas décadas e meia de carreira, nesse ínterim, atuei no atendimento de público, mediação de informação e leitura, gestão, ação cultural, etc.
Houve um acúmulo de experiências e formulações que me compeliram a juntar teoria e prática. A trajetória me fez compreender que nossas escolhas conscientes são fundamentais para que possamos impedir que a alienação e o mecanicismo dominem nossas práticas e isso tudo depende de um conjunto de ideias e reflexões que as acompanhem.
Por que estou falando tudo isso?
Sobretudo porque valorizo meu trabalho e já adianto que ele não funciona sem a colaboração e a via coletiva. Não existe a genial estrela solitária no âmbito do serviço público. Geralmente a via individualista destrói a noite aquilo que constrói pela manhã.
Tenho observado nesses últimos anos, o ir e vir dos tais cargos comissionados. Pra quem não é da área pública, cargo comissionado, de comissão ou cargo político, são aquelas pessoas ligadas aos políticos eleitos que são designadas para exercer funções de direção nos mandatos de quatro anos, assim se diferindo dos funcionários de carreira, que são aprovados por concurso.
Adianto que não tenho nada contra o mecanismo, que vejo como legítimo, ao permitir que cada gestão designe seus nomes de confiança, desde que mediados por princípios legais e com mecanismos claros de proporcionalidade e controle ético e funcional. O problema não é o mecanismo, mas a visão de mundo que a maioria dessas pessoas traz consigo.
Ministério da Economia
Reformas de Paulo Guedes ameaçam serviço público
Na minha longa experiência me deparei com muita gente que chegou ao serviço público através desse tipo de nomeação. A maioria chega com uma visão negativa sobre os serviços públicos e a coisa pública no geral.
Entre agressivos, irônicos, desconfiados e reativos, claro que sobraram alguns casos positivos, que com o passar do tempo compreendem melhor as mazelas e o papel do serviço público, e em parceria, somam esforços para tentar o melhor. A maioria, no entanto, permanece sob o véu do liberalismo de almanaque (se arvoram de suas origens na iniciativa privada) e do conservadorismo arraigado (não compreendem a distinção entre público e privado).
O que mais me incomoda nessa relação é o desprezo que essas pessoas carregam sobre a experiência e a vivência, que nós funcionários de carreira, acumulamos em nossos percursos. O "a priori" é sempre que somos ineptos e acomodados e eles estão chegando para nos mostrar o verdadeiro caminho das pedras. Em geral a frustração é mútua, o blábláblá prevalece, zero de sinergia. Há muitas críticas e falhas a fazer e a corrigir na carreira, mas elas não podem se basear em preconceito, imperícia e desconhecimento.
O lado folclórico e picaresco, eu vou omitir, pois a bizarrice de algumas figuras daria a esse texto um caráter galhofeiro, que não é a minha intenção.
Receio que, no âmago, dessas reformas draconianas da doutrina Guedes, a sobrevivência dos concursados e dos mecanismos de impessoalidade e contra o aparelhamento político das instituições públicas estejam seriamente ameaçadas e a prevalência dos cargos de comissionamento político se tornem hegemônicos.
Atentem para as reformas administrativas no âmbito estadual e municipal, que estão sendo aprovadas silenciosamente, e constatem o que estou falando.
MATÉRIA FEITA POR RICARDO QUEIROZ - São Bernardo do Campo (Brasil) - 23 de dez de 2019 às 14:00
Ref.: https://operamundi.uol.com.br/
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