Postado em 24/06/2020 10:50 - Edição: Marcos Sefrin
“O Cepel possui, nestes seus mais de 45 anos de vida, uma longa trajetória de atuação junto às empresas do setor elétrico, atuando, entre as diversas outras atividades, no suporte às áreas de Engenharia de Manutenção e de Operação, no tocante à otimização dos processos de gestão de seus ativos de engenharia. Ao longo dos últimos anos, buscamos na Indústria 4.0 tecnologias para viabilizar com eficácia a tão almejada meta do sistema de monitoramento e diagnóstico genuinamente nacional, que, apesar de muito falado, ainda apresenta uma série de desafios técnicos muito importantes”, destacou o diretor de P&D+I do Cepel,Maurício Barreto Lisboa, na abertura do webinar “SOMA – Indústria 4.0 aplicada à gestão de ativos de geração”, realizado pela ferramenta Microsoft Teams, do Office 365, no último dia 19, reunindo mais de 200 especialistas, engenheiros e técnicos de manutenção e interessados no tema.
Maurício Lisboa moderou o evento, que contou com a participação dos pesquisadores do Centro Renato de Oliveira Rocha e André Tomaz de Carvalho, respectivamente o idealizador e o atual gerente do projeto SOMA; dos engenheiros de Itaipu Binacional José Quirilos Assis Neto, coordenador brasileiro do projeto Matrix-UG, e Nilton S. Ramos Quoirin, da Divisão de Engenharia de Manutenção Elétrica; além do engenheiro Yuri Sefrin, diretor da AIS Ambientes Virtuais.
Segundo André Tomaz, nas últimas décadas, houve um decréscimo muito acentuado nos custos de sensores e dispositivos para aquisição e processamento de sinais , o que acarretou aumento no volume de dados coletados e armazenados. Porém, apesar de este fato ser bastante positivo, o resultado final continuou a ser muito aquém do esperado. “Muitas vezes, os sistemas não são tropicalizados. Um sistema que é fabricado para operar muito bem na Europa ou no Canadá, quando chega ao Brasil enfrenta uma temperatura de mais de 50 graus Celsius e para de funcionar. As ferramentas de análise destes sistemas também são limitadas, herméticas e, muitas vezes, geram dependência tecnológica do exterior”, avaliou o pesquisador.
Tradução de dados em informações úteis
Neste contexto, o grande desafio na gestão de ativos é traduzir dados de monitoramento em informações úteis para a tomada de decisões. De acordo com a Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), a aplicação da Indústria 4.0 no Brasil possui um potencial de redução de custos na indústria de 73 bilhões de reais por ano, dos quais 31 bilhões de reais correspondem a custos de manutenção. Estima-se que esta proporção no setor elétrico seja ainda maior, um dos motivadores para que o Cepel invista cada vez mais no desenvolvimento de uma arquitetura de Engenharia de Manutenção alinhada com a direção dada pela Indústria 4.0. Este padrão de arquitetura é baseado em quatro pilares tecnológicos: Internet das Coisas, Inteligência Artificial, Digital Twins e Manufatura Aditiva. O Centro, inclusive, criou, recentemente, um Núcleo de Inteligência Artificial e Tecnologia da Informação para atender a este tipo de demanda e já começou a investir na adoção da Manufatura Aditiva para prototipagem dos projetos dentro do contexto do SOMA.
“A plataforma SOMA foi construída em torno de uma rede de manutenção segura, com todos os requisitos de segurança cibernética, em um sistema orientado a serviços, modular, com arquitetura web, protocolos padrão, com capacidade massiva de aquisição de dados , simulação dos modelos dos equipamentos em tempo real e toda uma estrutura de inteligência artificial aplicada ao diagnóstico”, assinalou André Tomaz. O objetivo final é maximizar o tempo de operação, a qualidade de operação e a vida útil dos equipamentos do setor elétrico brasileiro.
De acordo com André Tomaz, as funcionalidades do SOMA o tornam um grande diferencial no mercado, fato reconhecido, inclusive, em colóquio internacional de máquinas rotativas do Cigré em Nova Deli, Índia em 2019, no qual representou o Cepel, apresentando matéria sobre o SOMA. “Este fórum internacional, constituído por fabricantes, instituições de pesquisa e empresas de geração do mundo inteiro, nos confirmou que estamos na vanguarda da Indústria 4.0 aplicada ao monitoramento de ativos de geração. Isso nos enche de orgulho, porque é tecnologia nacional”, destacou o pesquisador, reiterando que não teria sido possível sem a parceria de Itaipu Binacional, com a participação igualitária dos dois lados (Brasil e Paraguai), seus Parques Tecnológicos , principalmente o PTI-BR, e da start-up AIS Ambientes Virtuais.
Inovação aberta e implantação do SOMA em Itaipu
Esta parceria bem-sucedida vem rendendo frutos e, em 2019, o projeto SOMA foi premiado na categoria “Criatividade Distribuída” do Índice Dow Jones, sendo um dos responsáveis pela pontuação máxima da Eletrobras na avaliação de projetos de P&D . Segundo André Tomaz, a aplicação das tecnologias da Indústria 4.0 embutidas no SOMA no projeto Matrix-UG tornou-se viável porque Itaipu Binacional também se adiantou, colocando-se nessa vanguarda tecnológica, realizando a modelagem 3D de seus geradores. A integração oficial do SOMA ao projeto Matrix-UG ocorreu em 2019, quando o sistema passou a monitorar oficialmente as 20 unidades geradoras da usina. Hoje, Itaipu já conta com um sistema de monitoramento robusto, disponível na Web com uma IHM-3D e com suporte a digital twins.
“Quanto ao monitoramento, desenvolvemos uma rede de IoT para aquisição massiva de dados e persistência dos mesmos em um formato aberto. Os digital twins têm sido implementados seguindo as abordagens: estrutural [já em operação em Itaipu], incorporando os modelos 3D, e comportamental [a ser implementada em breve em Itaipu], na qual o Cepel desenvolveu um sistema de simulação do comportamento dinâmico [mecânico] de máquinas rotativas via Método dos Elementos Finitos. Pretendemos complementar esta frente com a implementação futura da simulação eletromagnética”, explicou André Tomaz.
E mais inovações vêm pela frente. O pesquisador Renato Rocha, que foi um dos idealizadores do projeto SOMA ainda na década de 1990 e, por 18 anos, gerenciou seu desenvolvimento e implantação, inclusive em Itaipu (do seu início, em 2015, até 2018), traçou um breve histórico sobre o Módulo de Diagnóstico do sistema, desenvolvido com base na associação de Lógica Nebulosa (“Fuzzy”) e Sistema Especialista Baseado em Regras, que, neste contexto, correlacionam anormalidades detectadas nos sinais medidos nos equipamentos e as possíveis falhas associadas.
“Participar do projeto Matrix-UG é um coroamento do trabalho de muitos anos. [...] O diagnóstico é a cereja do bolo e a ponta final do sistema, sendo extremamente dependente da instalação do sistema, da coleta e disponibilização dos dados e, principalmente, da consolidação computacional do conhecimento dos especialistas humanos. Diante disso, precisávamos ter instalações feitas e, consequentemente, volume de dados armazenados, para colocar o diagnóstico para funcionar efetivamente. Em 2018, coincidentemente, com a mudança estratégica na gerência do projeto, passei a ter mais disponibilidade para trabalhar com a parte de engenharia mecânica nos bastidores do SOMA e dar o subsídio necessário a garantir a robustez do sistema no tocante à engenharia. Prioritariamente, foquei no Módulo de Diagnóstico e, após um levantamento, percebi que ele merecia ser refeito e modernizado”, explicou Renato.
De acordo com o pesquisador, a equipe do projeto optou por uma Máquina de Inferência robusta e bastante utilizada no mercado, de código aberto. “Assim, atualizamos a versão dessa máquina de inferência e desenvolvemos toda a estrutura para a comunicação com a máquina, fornecendo informações. [...] Em relação às regras, Itaipu já possuía uma base com 120 regras elaboradas no passado por um grupo de especialistas da usina, o que seria o nosso pontapé inicial. Precisávamos atualizar e testar estas regras, para, depois, validarmos o processo. Assim, tivemos a ideia de desenvolver um simulador do processo de diagnóstico especificamente para atender ao projeto, onde os dados pudessem ser injetados, classificados e submetidos à máquina de inferência para que o disparo das regras pudesse ser validado. Isso nos garantiria um processo robusto e confiável. Como efeito colateral dessa iniciativa, constatamos que esta estratégia de prototipagem de software se mostrou tão interessante e promissora, que passamos a utilizá-la em diversos outros cenários”, complementou. Após a finalização do simulador, o mesmo foi passado a Itaipu no fim do ano passado para que a base de regras existente pudesse ser atualizada pelos especialistas atuais da usina.
Segundo Renato, a meta, para 2021, é colocar o Módulo de Diagnóstico em operação, com essa base de regras inicial atualizada. Além disso, o investimento no estudo para adoção complementar de metodologias mais atuais de inteligência artificial, como Data Mining e Machine Learning, já está no planejamento da equipe para o futuro próximo. Estas, porém, dependem totalmente da existência de bases de dados massivas, o que se atingirá em breve.
Renato também comentou sobre outra novidade. O ROTMEF, software desenvolvido por ele ainda na década de 1990, foi totalmente refeito em LabView após o término do simulador para ser incorporado ao SOMA, como funcionalidade adicional e complementar ao monitoramento. “Está tudo delineado para entrar no SOMA como uma ferramenta de complementação, que fornecerá ao usuário a noção de como a unidade geradora se comporta dinamicamente a partir dos sinais obtidos. Toda a parte de cálculo desenvolvida será transferida para o SOMA, enquanto a interface, que é fundamental neste processo, está sendo desenvolvida por uma equipe do PTI-BR, nesse espírito de parceria constante do Projeto Matrix”, acrescentou.
Uma escolha acertada e que ainda terá muitos desdobramentos
Sobre a adoção do SOMA por Itaipu Binacional para integrar o Matrix-UG no monitoramento dos 20 geradores da usina, José Quirilos Assis afirmou que a excelência do Cepel na prestação de serviços ao setor elétrico, principalmente na área de ensaios e medições, bem como parcerias previamente estabelecidas em outros trabalhos, contou muito. “Foi uma aposta mutua. Especificamos o hardware juntos, e partimos para a implementação. O Cepel teve um trabalho grande de remodelagem de todo o sistema, de todas essas décadas de estudos [...].
Segundo Assis, o projeto, nem de longe está acabado. Estará sempre evoluindo. “Hoje, temos todos os pontos de temperatura monitorados. Um pouco menos de 400 pontos por máquina, o que dá em torno de 8 mil pontos de temperatura. O sistema está preparado para receber todas as vibrações, 32 sinais de vibração por máquina, e sinais de descargas parciais”, comentou, acrescentando que a ideia é estender a monitoração por meio da integração SOMA-Matrix a outros equipamentos. Atualmente, encontra-se em estudo a extensão do sistema de monitoramento à barragem da usina.
Nilton Quoirin destacou os benefícios advindos da integração do SOMA ao Matrix-UG. “Tínhamos um conjunto grande de sensores instalados, cerca de 360 por unidade geradora, mas não tínhamos o sistema de monitoramento das unidades geradoras. Então, todas as medições eram feitas de modo manual”. Segundo ele, a implantação do sistema trouxe agilidade à análise, evitando o deslocamento de equipes para medições e minimizando os riscos de um registro de dados equivocado.
Segundo Nilton, o processo habitual de coleta de dados de uma máquina antes e depois de uma parada programada também foi facilitado. “Hoje em dia, é um processo muito simples. Com apenas alguns cliques, geramos o relatório, que já vem formatado, com todos os componentes da máquina e suas grandezas associadas. Além disso, como o sistema armazena as medições em seu banco de dados, temos os históricos, o que é muito útil para a engenharia de manutenção, tanto para a mecânica, quanto para a elétrica, na análise de comportamento da máquina e verificação da correlação de sinais”, comentou.
Outra vantagem assinalada pelo engenheiro é o fato de o SOMA ser uma solução em ambiente web. “Da minha estação de trabalho, consigo acessar todos os módulos do sistema, visualizar as grandezas, pesquisar o histórico, acessar a interface 3D. Atualmente, como estamos trabalhando de forma remota [devido à pandemia de COVID-19], da minha casa, consigo acessar o SOMA, por meio da minha estação de trabalho que está em Itaipu”, comentou Nilton. Destaca-se também a possibilidade de acesso via dispositivos móveis em qualquer lugar em que um usuário autorizado se encontre.
A expectativa, segundo Nilton, é que o sistema evolua cada vez mais. “A ideia é que o sistema vá se tornando cada vez mais inteligente, com mais recursos, mais ferramentas e algoritmos para que ele auxilie a engenharia de manutenção na execução da manutenção preditiva: no diagnóstico, no reconhecimento de padrões, na identificação de pontos divergentes, na identificação de tendências e na evolução de possíveis defeitos”, concluiu.
Modelagem 3D dos geradores
O modelo 3D dos geradores foi elaborado pelo PTI-BR, pelo CEASB - Centro de Estudos Avançados em Segurança de Barragens. A integração do modelo 3D ao SOMA contou com a colaboração da AIS Ambientes Virtuais, que explica o processo. “Atuamos no desenvolvimento de interface homem máquina 3D para a indústria. Nossa atuação ocorreu em três principais etapas: otimização dos modelos 3D, integração com os sensores em tempo real e desenvolvimento de interações de acordo com a necessidade dos engenheiros. Garantindo a autenticidade do modelo real da máquina/UG e a localização rápida dos sensores em 3D, com a exibição do valor em tempo real de grandezas, como temperatura, pressão, vibração, dentre outras. Esta aplicação já se desenvolveu para tecnologias de realidade virtual e realidade aumentada, que podem ser visualizadas em: www.industryais.com”, explicou Yuri.
De acordo com Yuri, o modelo 3D no SOMA possibilita a navegação interativa por diversos sensores, exibindo, em tempo real, os dados coletados por eles, o que facilita e torna mais eficiente a comunicação entre pessoas e máquinas. No caso de Itaipu, o projeto de virtualização da usina iniciou-se no estator, sistema mais crítico e com maior número de sensores. Na sequência, este processo foi estendido para todas as partes instrumentadas das unidades geradoras, desde a caixa espiral, até o tubo de sucção. O engenheiro acrescenta que, a partir dos modelos 3D integrados ao Matrix, poderão ser desenvolvidas novas funcionalidades interativas, como exibição de informações preditivas da máquina, mapa de calor animado, gráficos integrados com peças do modelo 3D e histórico de dados, além de alarmes e resultados do diagnóstico.
Outras instalações e aplicações do SOMA
O SOMA, hoje, realiza o monitoramento online de descargas parciais, por meio da integração com o sistema IMA-DP, também desenvolvido pelo Cepel, nas usinas hidrelétricas de Samuel e Balbina, pertencentes à Eletronorte. Monitora também vibrações e temperaturas na usina hidrelétrica de Funil, de Furnas, e faz o prognóstico de vida de turbinas e caldeiras do Complexo Termelétrico de Jorge Lacerda, da Engie Brasil, por meio do projeto Turbodiag. A utilização do sistema será ampliada na Amazonas GT, e a Eletronuclear já manifestou interesse no sistema para monitoramento das usinas nucleares Angra I e Angra II.
O SOMA não se limita à gestão de ativos de geração. Ao longo dos anos, foi sendo customizado para outras aplicações. “Desenvolvemos um sistema de internet das coisas industrial capaz de monitorar qualquer equipamento, como já foi feito para estais de torres de transmissão de alta tensão, banco de dados de motores, prognóstico de vida de componentes térmicos em usinas a vapor, e, em breve, até mesmo pás de aerogeradores. Um exemplo disso é o protótipo de uma aplicação do SOMA na subestação de Adrianópolis para o monitoramento de transformadores de potência. O SOMA configura-se, assim, em uma plataforma versátil, com uma arquitetura flexível, na qual grandezas e análises podem ser introduzidas para aplicação em uma variedade de equipamentos, conforme as necessidades específicas do cliente, inclusive fora do setor elétrico”, ressaltou o pesquisador André Tomaz.
Além disso, a partir deste ano, o Cepel passou a investir também no alinhamento mais forte do produto com a Indústria 4.0, no pilar Robótica, tendo como motivação o robô de inspeção de linhas de transmissão desenvolvido pelo Centro há alguns anos, e cujo sistema de sensoriamento foi agraciado com uma patente em 2019. A meta está em estender o alcance do SOMA no monitoramento e controle de dispositivos robóticos, visto serem sistemas móveis e autônomos de monitoramento e diagnóstico.
Além das várias integrações já citadas, o SOMA também está integrado ao SAGE, sistema de gerenciamento de energia desenvolvido pelo Cepel. Neste sentido, a visão do Centro é cada vez mais prover ferramentas para tornar as empresas eficientes nos seus processos de operação e manutenção de seus ativos.
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