Postado em 08/05/2019 14:12 - Edição: Marcos Sefrin
BRASIL EM 2018
Pesquisa acerca do emprego do WhatsApp durante as eleições presidenciais de 2018 mapeia as características das fontes de informação que circularam nestes ambientes.
Dados foram coletados em 213 grupos públicos de apoio aos presidenciáveis e todos os 77.636 links postados foram examinados
“Eu acredito que o melhor meio de mídia, que presta o melhor papel à verdade, à divulgação dos fatos, se chama YouTube”, disse um apoiador de Jair Bolsonaro ao jornal Folha de S. Paulo no início de abril. A forte utilização da plataforma de vídeos como fonte de informações políticas não é exclusividade dos apoiadores do atual presidente. É isto, pelo menos, que demonstram os dados de nossa pesquisa acerca do emprego do WhatsApp durante as eleições presidenciais de 2018.
A partir dos dados coletados em 213 grupos públicos de apoio aos presidenciáveis, foi possível mapear as características das fontes de informação que circularam nestes ambientes. Para isso, foram examinados todos os links postados nos grupos (totalizando 77.636 endereços). O texto deles foi analisado de forma automatizada a fim de saber quais questões estavam sendo abordadas e qual era a procedência das informações compartilhadas.
Antes de focar nos links externos, foi calculada a média diária de mensagens enviadas por grupo de apoio aos candidatos, com objetivo de saber quais eram os mais ativos de forma geral. Os apoiadores de Jair Bolsonaro lideram o fluxo de mensagens em geral, seguidos pelos grupos de apoio a Marina Silva e a Fernando Haddad – o gráfico apresenta dados apenas dos grupos com maiores médias.
Já em relação ao conteúdo compartilhado, a primeira descoberta é justamente a força do YouTube, ultrapassando a barreira das 40 mil postagens direcionando para vídeos hospedados na plataforma. Na realidade, as plataformas digitais de comunicação são as mais acionadas como um todo pelos usuários do WhatsApp, indicando a importância delas na campanha de 2018 – vide que as cinco páginas mais compartilhadas são justamente YouTube, Facebook, o próprio WhatsApp (com links para entrar em outros grupos), Instagram e Twitter. Isso é indício, também, de preferência por informações partidarizadas, que tendem a predominar nessas plataformas em período eleitoral. Dentre todas as plataformas de mídias sociais ou aplicativos de mensagem, é necessário prestar especial atenção ao papel do YouTube, que supera de longe as concorrentes em volume de compartilhamento.
Os veículos jornalísticos não somem na troca de informações no WhatsApp, mas a frequência de compartilhamentos deles fica consideravelmente abaixo do conteúdo produzido nas mídias sociais. Ressaltamos, ainda, que as três páginas jornalísticas mais compartilhadas são nativas do ambiente digital (Antagonista, Uol e G1) – e uma delas tem um caráter abertamente partidarizado. Há, ainda, espaço para empresas tradicionais como Folha de S.Paulo, O Globo e Estadão, mas fica evidente a diferença entre o compartilhamento delas quando comparado ao de outras fontes.
Outra página que merece atenção dentre aquelas mais acionadas é a Pesquisa Eleitoral, que direcionaria para uma pesquisa sobre a intenção de voto dos eleitores. A suposta pesquisa não pertencia a um instituto de pesquisa, nem estava registrada no Tribunal Superior Eleitoral – não sendo, portanto, válida. Ainda assim, foi consideravelmente compartilhada nos grupos analisados, liderando em grupos de apoio a Jair Bolsonaro.
Quando os dados são divididos de acordo com o candidato apoiado pelos grupos, aparecem algumas diferenças (NA é uma categoria que agrega grupos nos quais o candidato apoiado não está claramente apresentado). As informações também evidenciam as estratégias dos apoiadores. Mesmo que se devam considerar proporcionalmente os dados apresentados, uma vez que os grupos de apoio a Bolsonaro constituíram grande parte do corpus, percebe-se que os apoiadores de alguns candidatos tiveram preferências estabelecidas por determinadas fontes de informação.
O YouTube foi a rede preferida de quase todos os grupos, independentemente da candidatura apoiada, com exceção daqueles endossando Guilherme Boulos, candidato pelo Psol. Os apoiadores de Bolsonaro foram, por sua vez, os mais ativos em direcionamentos para o YouTube, sendo seguidos pelos de Marina Silva e de Ciro Gomes. Os grupos bolsonaristas foram praticamente os únicos a compartilhar o “Jornal da Cidade”, uma página com notícias com enquadramento alinhado à direita do espectro ideológico. A esta altura, destacamos também a baixa atividade dos apoiadores do segundo colocado na eleição, Fernando Haddad, em compartilhamento de informações nos grupos.
Ao levar em conta o fluxo de informações nos grupos, a semana 39, anterior à semana na qual o primeiro turno aconteceria, apresenta a maior proporção de links compartilhados ao longo de todo o período. A título de esclarecimento, o número das semanas é definido de acordo com qual semana ela representa no ano. Por exemplo, a semana 39 corresponde à 39ª semana de 2018.
A mensagens postadas ao longo da semana 39 e das duas posteriores, que representam a semana da eleição e a subsequente, trazem consideravelmente mais links que as anteriores, apontando para o acirramento da campanha durante o período. É necessário observar, porém, que a semana 37 é atípica em relação às outras do mesmo período. Há aumento na quantidade de links compartilhados nela, o que provavelmente está associado a se tratar do período imediatamente posterior ao atentado do qual Bolsonaro foi vítima, no dia 6 de setembro de 2018.
Ao analisar o fluxo de compartilhamento de informações dividido por grupo, os apoiadores de Bolsonaro eram os mais ativos ao longo de todo o período de campanha. O comportamento não estava concentrado em um período específico. Ao contrário, isso se mostra uma constante durante a campanha, indicando a centralidade do WhatsApp para a rede de apoio ao candidato, bem como o caráter estratégico a partir do qual a ferramenta foi empregada.
Os dados também evidenciam como os apoiadores de Haddad não foram tão bem-sucedidos no WhatsApp, com um fluxo de links compartilhados abaixo até mesmo de apoiadores que obtiveram menos votos que ele, como Ciro Gomes e Marina Silva. Ademais, as mensagens compartilhadas nos grupos pró-Haddad não remetiam para páginas externas, o que pode ser indício de pouca importância dada ao compartilhamento de informações via WhatsApp ou de que a estratégia de mobilização adotada tinha outras características.
Depois de mapear os links compartilhados, o conteúdo deles foi analisado de forma automatizada, empregando uma análise de Modelo de Tópicos. Basicamente, ela agrega as informações que se repetem em textos similares, possibilitando compreender sobre o que eles tratam.
Os tópicos permitem observar questões diferentes em debate em cada um deles. O primeiro, ligado às redes sociais, trata mais de ferramentas de comunicação – especialmente, digitais – que da campanha eleitoral especificamente. É possível que se refira a textos acerca da importância da mobilização online e das estratégias empregadas pelos candidatos neste período.
O segundo e o terceiro tópicos já estão mais próximos da cobertura jornalística tradicional – o termo “Uol”, inclusive, é um dos mais relevantes no segundo tópico, indicando a importância do portal. Os tipos de informação indicados em cada um deles, porém, apontam para padrões diferentes. Esse tópico tem o então candidato Jair Bolsonaro como um dos protagonistas, além de provavelmente relembrar eventos anteriores, de 2017, e fazer projeções para acontecimentos futuros. O termo “presidente” também se mostra importante, apontando que as eleições para o cargo estão no centro das questões debatidas naqueles textos. É possível tratar-se de textos a respeito da história do candidato, marcada por declarações e por posicionamentos controversos.
O terceiro tópico, por sua vez, também lida com a campanha eleitoral, mas a partir do conflito entre os presidenciáveis. Isso fica evidenciado por termos relevantes do conjunto se referirem aos dois candidatos que passaram ao segundo turno, Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, assim como menções a Lula.
Alguns apontamentos gerais podem ser feitos a partir dos dados. O primeiro refere-se à centralidade do conteúdo produzido em mídias digitais para as informações distribuídas via WhatsApp. O YouTube, especialmente, se apresenta como uma arena privilegiada neste cenário, indicando que pode haver preferência por material partidarizado. Em alguma medida, isso não é surpresa nem novidade, tendo em vista que as redes de apoio a candidatos tendem a se relacionar com usuários e com conteúdo que compartilhem a mesma inclinação ideológica. A diferença, com as mídias sociais, se dá no volume de informação ao qual o cidadão tem acesso.
Os resultados levam à especulação sobre a baixa qualidade da informação compartilhada nestes grupos. Por um lado, a importância assumida pelas mídias digitais no cenário pode levantar desconfianças – embora o fato de a informação provir das ferramentas digitais de comunicação não seja suficiente para considerá-la como pouco confiável. Por outro, sete dos quinze links mais disseminados direcionam a páginas de empresas de comunicação tradicionais, indicando que elas ainda desempenham uma função importante na distribuição de informações durante o período eleitoral. O cenário deixa claro, na realidade, uma situação de disputa entre o jornalismo profissionalizado e as informações provenientes de mídias sociais, no qual o segundo grupo tem levado vantagem.
O segundo ponto refere-se à importância do WhatsApp como ferramenta de campanha para as redes bolsonaristas. Esses apoiadores não apenas eram ativos na plataforma, mas também eram mais eficazes em divulgar publicamente as redes de apoio, tanto que era mais fácil encontrar os grupos alinhados ao candidato de extrema-direita. Diante do pouco tempo de Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral do qual Bolsonaro dispunha, a internet se mostrou a solução mais proveitosa para mobilização dos eleitores.
Nesse sentido, também ressaltamos o baixo uso e divulgação de grupos públicos do WhatsApp por parte dos apoiadores de Haddad. Todavia, atribuir a vitória de Bolsonaro à utilização da plataforma de mensagens é equivocado e apresenta um cenário incompleto. Um exemplo disso é que Haddad, que foi ao segundo turno, teve apoiadores menos ativos na plataforma que Marina Silva, que alcançou 1% dos votos válidos no primeiro turno. Ao mesmo tempo, a baixa mobilização da militância petista em divulgar informações por meio de grupos públicos é sinal de que não conferiram tanta importância ao WhatsApp, evidenciando uma compreensão limitada a respeito da campanha no ambiente online. É necessário ressaltar, ainda, que os grupos de apoio ao candidato foram razoavelmente ativos quando considerado o fluxo de mensagens total, indicando a tendência a ser utilizados a partir de outras estratégias de mobilização e informação.
O terceiro ponto tem a ver com as implicações democráticas do emprego das ferramentas digitais de campanha. Se o padrão, há alguns anos, era encará-las de forma positiva, o cenário parece ter mudado com escândalos recentes como o da Cambridge Analytica. O otimismo ingênuo a respeito de poderem ser a redenção da democracia tem se mostrado pouco fiel à realidade. Ao mesmo tempo, a nossa pesquisa indica que é apressado atribuir o sucesso de movimentos políticos e candidatos específicos somente às mídias sociais.
A esta altura, é crucial ressaltar que não estabelecemos uma relação de causalidade entre receber as informações e apoiar determinado candidato. Acessar as notícias não significa acreditar nelas. Na verdade, a tendência é que o impacto da comunicação de massa seja atenuado por diferentes variáveis contextuais, o que nos permite especular sobre o mesmo fenômeno nas ferramentas digitais.
Parece-nos que as informações partidarizadas são responsáveis por reforçar convicções ou por promover atalhos cognitivos para justificar decisões. Além disso, deve-se levar em conta que, em boa parte dos casos, os cidadãos as repassam mesmo sem ter certeza de sua procedência (ou até sabendo que não condizem com a realidade) porque estão alinhadas aos seus pontos de vista.
Não argumentamos, com as ressalvas acima, que a questão da qualidade da informação disponível aos cidadãos, especialmente durante o período eleitoral, seja irrelevante. Trata-se de uma questão considerada por diversas correntes da teoria democrática e os nossos dados apresentam alguns sinais preocupantes. Ao mesmo tempo, procuramos fugir de diagnósticos absolutos e que decretem – mais uma vez – a falência da democracia diante das ferramentas de comunicação. O cenário mostra-se problemático e é justamente por isso que a esfera comunicativa precisa ser disputada para além de discursos que agradem apenas à militância mais fiel.
*Camila Mont’Alverne é doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná, mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará e integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia da UFPR; Isabele Mitozo é professora do PósCom-UFBA e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD); e Henrique Barbosa é mestre em Relações Internacionais pela Universidade da Califórnia, San Diego.
Matéria feita por Camila Mont’Alverne, Isabele Mitozo e Henrique Barbosa dia 07 de maio de 2019 - Imagem por Daniel Kondo
Ref.: https://diplomatique.org.br/
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